5 de maio de 2012

para juntar economia e ética, sociedade e natureza.

RICARDO ABRAMOVAY, professor titular da FEA e do IRI/USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp, é autor de "Muito Além da Economia Verde", a ser lançado na Rio+20 pela ed. Planeta Sustentável.



O fantasioso não é a necessidade de mudanças profundas na organização social contemporânea e sim a ilusão de que se pode persistir na maneira habitual de fazer as coisas, o chamado "business as usual".
Essa é uma das premissas básicas do recém-publicado relatório que as Nações Unidas encomendaram aos mais importantes nomes da economia ecológica mundial. Alguns de seus autores, como Tim Jackson ] e Peter Victor, estarão no Brasil por ocasião da Rio+20, participando do Encontro da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, do Fórum de Empreendedorismo Social e dos Diálogos Sustentáveis.
A mensagem básica de seus trabalhos, contrariamente ao que frequentemente se divulga, de forma equivocada, não é avessa ao crescimento econômico: trata-se, sim, de subordinar o crescimento tanto à satisfação de reais necessidades humanas como aos limites dos ecossistemas. Essa subordinação tem o potencial de produzir mais e não menos bem-estar que o oferecido pelo padrão atual de uso dos recursos, cuja inviabilidade o texto coloca em destaque. O título do relatório já é um verdadeiro programa de trabalho: "Construir uma economia-na-sociedade-na-natureza, que seja sustentável e desejável". Vale a pena destrinchar essa estranha consigna.
A ordem das palavras entre os traços de união é fundamental: longe de ser uma esfera autônoma da vida social, regida por leis próprias e que funcionaria tanto melhor quanto menos recebesse interferências externas, a economia está imersa, mergulhada, embebida na sociedade.
É bem verdade que os atores econômicos são movidos pela obtenção de ganhos individuais. Mas reconhecer sua inserção significa admitir a possibilidade de que a cultura, as pressões, os movimentos e as reivindicações sociais se exprimam na vida econômica por meios que vão muito além daquilo que os preços são capazes de dizer.
Mais que isso: significa que as iniciativas econômicas não são produtos emergentes de forças descentralizadas, mas, ao contrário, respondem a interesses e a concepções que se transformam ao longo do tempo, para o bem e para o mal.
Essa é a raiz social da mais importante aspiração das sociedades contemporâneas que é a reincorporação da ética no coração da gestão econômica. Esse só não será um voto piedoso e inconsequente caso se admita a possibilidade de que a sociedade civil seja capaz de falar não apenas por meio de processos eleitorais ou de suas organizações próprias, mas também interferindo nas empresas e nos mercados. A economia está na sociedade (primeiro traço de união) exatamente pelo fato de a sociedade se exprimir o tempo todo no interior da economia.
Mas, contrariando o que reza a história das ciências sociais desde o séc. 18, a sociedade não pode ser analisada, ela mesma, de maneira autônoma. A reprodução social apoia-se na energia que o Planeta recebe do Sol e naquilo que a espécie humana extrai da superfície da Terra. Da mesma forma, ela depende dos inúmeros detritos que as sociedades produzem, sob a forma de lixo, poluição, emissões de gases de efeito estufa e erosão da biodiversidade.
O estudo da vida social supõe, é claro, o conhecimento das instituições, das desigualdades, da cultura, mas seu ponto de partida só pode ser a relação metabólica estabelecida entre a espécie humana e os recursos energéticos, materiais e bióticos em que ela se fundamenta.
Em 1960, quando o mundo tinha 3 bilhões de habitantes, esta questão não existia para as ciências sociais, nem para as empresas ou os governos. Tudo se passava como se a elevação da produtividade do capital e do trabalho fosse a condição necessária e suficiente para ampliar a riqueza social.
Hoje não: num mundo com 7 bilhões de habitantes e que ruma para 10 bilhões, não há maior desafio social que o de tornar compatível a satisfação das necessidades humanas com as fronteiras ecossistêmicas, algumas das quais já perigosamente ultrapassadas.
economia verde (a mudança na matriz energética mundial, a ecoeficiência e a exploração sustentável da biodiversidade) é apenas uma das bases dessa compatibilização.
Mas as informações produzidas desde o início de 2011 para a Rio+20, por relatórios da ONU e por estudos das grandes consultorias globais, convergem numa constatação básica: por mais que continuem avançando as transformações tecnológicas em direção a produção mais limpa, elas não serão suficientes para impedir que o atual ritmo de crescimento econômico mundial comprometa a manutenção e a regeneração dos ecossistemas.
A ideia de que, onde houver escassez de energia e materiais, os mercados sinalizarão aos empresários as mudanças necessárias para que a oferta de bens e serviços permaneça, só pode ser encarada como um mito: o mito do crescimento econômico perpétuo.
E é por isso que o título do documento reivindica que esta economia-na-sociedade-na-natureza seja sustentável, mas que também seja desejável.
O desejável corresponde exatamente à urgente inserção de considerações de natureza ética no interior das decisões econômicas. Não se trata de colocar em funcionamento um sistema mecânico que apenas propicia aumento do emprego, da arrecadação de impostos e traz algum tipo de inovação, por mais importantes que seja garantir o trabalho remunerado, a saúde das contas públicas e a pesquisa em torno de novos produtos e processos. A palavra desejável traduz o fato de que será cada vez mais importante entrar no mérito da real utilidade social daquilo que a economia oferece às sociedades humanas. Para que, por exemplo, mais mil carros por dia em São Paulo, se o trânsito está cada vez pior?
Num mundo relativamente vazio, essa questão não se colocava. Diante da doença que marca o metabolismo social contemporâneo e da profunda desigualdade no uso dos recursos, a questão central da gestão econômica não consiste apenas em saber como se produz (com maior ou menor ecoeficiência).
Para empresários, consumidores, governos e organizações civis, o mais importante hoje é saber para quê e para quem se oferecem os bens e os serviços que compõem a riqueza social. Trata-se de discernir se o aumento da riqueza responde à lógica autônoma de um sistema que não sabe fazer outra coisa senão crescer, ou se ele traz real prosperidade e melhoria para a vida das pessoas.
Essa questão não está na pauta do que os governos vão discutir na Rio+20. Mas é fundamental que organizações da sociedade civil, governos e empresas sejam capazes de enfrentá-la.

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