10 de maio de 2012

economicamente incorreto.

planeta sustentável 10/5/2012


Para o escritor Eduardo Giannetti da Fonseca, o meio ambiente não é tratado de forma ética porque a natureza é vista como um bem de consumo sem ônus ou custo algum


O economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti da Fonseca não tem carro, vai a pé até a padaria, pensa duas vezes antes de pedir uma sacola plástica no supermercado e tem a meta de reduzir o consumo de carne a ponto de virar vegetariano. Mas está convencido de que, por mais ações éticas que os indivíduos pratiquem no seu dia a dia, elas são insuficientes para equacionar a distorção no atual sistema de preços, que não leva em conta os custos ambientais no valor da mercadoria. A natureza é consumida como se não tivesse um ônus. E não se pode esperar, segundo Giannetti, pelas decisões políticas de curto prazo, já que as soluções devem ser pensadas no horizonte de algumas décadas à frente. Mineiro de Belo Horizonte e professor do Ibmec São Paulo, Giannetti reflete na entrevista a seguir sobre as questões éticas que o tema da sustentabilidade provoca - ou deveria provocar - na sociedade. 

O relatório final da Rio 92 dizia que o modelo hegemônico de desenvolvimento na época era "ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto". O relatório da Rio+20 parece já estar pronto... 
O que há de errado, seriamente errado, com o modelo econômico vigente? Ele está calcado no sistema de preços, o grande balizador para produtores e consumidores, determinando o que vale e o que não vale a pena fazer. O sistema de preços é extraordinariamente eficiente como alocador de recursos, direcionando-os para setores nos quais sejam mais demandados. E se mostrou enormemente superior ao modelo de planejamento central, adotado na União Soviética durante 80 anos e com resultado desastroso. No entanto, o que se percebe hoje é que o sistema de preços padece de uma falha muito séria, porque deixa de sinalizar de maneira adequada os custos reais envolvidos nas nossas escolhas tanto ao produzir quanto ao consumir. 

É um modelo economicamente incorreto? 
Sim. Se uma comunidade possui água potável em abundância e não precisa trabalhar para adquiri-la, isso não entra no sistema de preços e na contabilidade econômica. Se essa comunidade polui todas as fontes de água e passa a ter de purificá-la, engarrafá-la, distribuí-la, o que acontece com o PIB? Aumenta. Os consumidores vão ter de remunerar os fatores de produção, trabalhar um pouquinho mais para ter água potável, e o PIB cresce. Mas é um crescimento com sinal errado, porque a qualidade de vida piorou. Tem algo errado na contabilização. Precisamos de indicadores de avanço e progresso que não sejam essa métrica monetária cega. 

Indicadores que não mascarem custos como se eles não existissem. 
Aí você está chegando ao ponto. Vamos supor que estou na China, e o país precisa consumir mais eletricidade, porque a demanda é explosiva. Tenho duas opções: uma termelétrica a carvão ou uma eólica renovável. O preço do quilowatt-hora da termelétrica é cerca de 70% menor que o da energia eólica. Evidentemente, os chineses vão fazer a termelétrica a carvão. Mas e todo o CO2 emitido pela queima do carvão nessa termelétrica? O sistema de preços não sinaliza o impacto ambiental dessa escolha. 

Pensando na origem do problema, na perspectiva da história econômica, por que o ambiente nunca é tratado de forma ética? 
Porque a natureza é tratada como um bem livre que, portanto, pode ser consumida à vontade, sem ônus e custo algum. Quando pego um avião para cruzar o Atlântico, estou emitindo mais CO2 do que um indiano no meio rural durante um ano. Estou pagando equipamento, combustível, serviço de bordo, aeroporto, mas o custo ambiental não está no preço da passagem. 

O que aconteceria se recalculássemos os preços levando em conta o ambiente? 
Os preços relativos vão mudar. Talvez a energia eólica, dependendo do valor que você atribuir para o CO2 emitido, seja mais interessante para a sociedade do que a termelétrica a carvão. Se for proibitivamente caro eu pegar meu carro para andar dois quarteirões, vou pensar duas vezes e posso preferir caminhar ou pegar minha bicicleta. A economia regida pelo sistema de preços revelou uma fragilidade que talvez seja da mesma ordem de gravidade que as falhas do modelo de planejamento central. 

O fato de a escassez provocar o desenvolvimento de novos produtos que geram aumento do PIB não faz com que os governos considerem isso uma solução e não um problema? 
Estamos perigosamente perto de uma ruptura no equilíbrio ambiental do planeta. A imagem que tenho usado é a de um fumante inveterado que descobre que tem um enfisema pulmonar. Ou ele muda enquanto é tempo ou isso vai virar um câncer com sequelas dramáticas. A humanidade está nesse limiar. Ou muda de vida ou então vai caminhar para uma situação sem retorno. 

De certa maneira, parece que estamos apostando no câncer... 
Esse modelo ocidental não é transitivo. Aí existe um problema de equidade internacional. Com que autoridade vamos bloquear o acesso a esses confortos da vida moderna que foram vendidos há séculos para países emergentes como sendo a modernidade e o bem-estar? A boa notícia é que os estudos sobre bem-estar, a partir de um nível de renda médio, indicam que não há nenhuma evidência de que acréscimos da renda per capita se traduzam em ganhos de bem-estar subjetivos. Quando você parte de baixo, até chegar a certo patamar, o crescimento da renda per capita é acompanhado de um aumento do bem-estar subjetivo. A partir desse ponto, a renda per capita continua crescendo, mas o bem-estar subjetivo para de crescer. Não faz sentido apostar no crescimento do bem-estar ilimitado. Com o agravante de que continuar nesse caminho coloca em risco o equilíbrio ambiental do planeta. 

Seu livro O Valor do Amanhã criticava a lógica de que "antecipar custa e retardar rende", que faz com que nos orientemos pelas questões imediatas, muitas vezes danosas ao ambiente. Por que agimos assim? 
Quanto vale a pena a atual geração se sacrificar pelo bem das gerações futuras? Alguns argumentam que as gerações futuras serão muito mais ricas que nós e, portanto, não faz sentido incorrermos no sacrifício agora porque ele não é necessário. Muita gente aposta que a tecnologia vai avançar e dar respostas em tempo hábil para os dilemas e as armadilhas de hoje. Considero esses dois argumentos perigosos e temerários. Estamos numa trajetória que põe em risco o bem-estar de gerações futuras, a biodiversidade e a própria viabilidade do ecossistema planetário. Eu não apostaria na tecnologia como a tábua de salvação. Mas é muito complicado aceitar sacrifícios agora em nome de gerações futuras e situações hipotéticas. A humanidade nunca teve de fazer esse exercício. A primeira geração que teve de pensar seriamente nisso é a nossa, e não estamos acostumados a pensar num horizonte de 50 a 100 anos à frente. No entanto, a tecnologia de que já dispomos e os danos que já causamos cumulativamente nos obrigam a pensar nesse horizonte de tempo. 

O senhor parece sugerir que façamos uma escolha ética, em que a maximização dos lucros no menor espaço de tempo não paute as economias. Isso é possível? 
Infelizmente, não podemos contar com a boa vontade para corrigir o sistema de preços. Isso vai ter de ser feito de maneira geral. Há uma experiência muito interessante da companhia aérea British Airways, que, a certa altura do clamor na Inglaterra sobre a questão das mudanças climáticas, resolveu oferecer aos clientes a opção de pagar pela compra do crédito de carbono correspondente ao trajeto do bilhete adquirido. Isto é, você paga para que seja compensada a emissão de CO2. A adesão foi de 3%, muito baixa. Por quê? É um pouco a história de Agostinho nas Confissões, quando ainda não era santo: "Dai-me, Senhor, a castidade e a virtude, mas não já". Não podemos contar com a boa vontade, a boa consciência das pessoas. 

Lentamente, vemos empresas incentivando a redução do consumo de sacolas plásticas, o uso de madeira certificada... Essa é uma questão complicada. Fui a um evento de embalagens e um especialista europeu disse que a proibição do fornecimento de sacolas plásticas por lojas e supermercados em alguns países na Europa aumentou o consumo do produto. Antes as pessoas usavam as sacolas para colocar lixo e para guardar coisas. Com a proibição, tiveram de comprar as sacolas. É o chamado Paradoxo de Jevons, do fim do século 19, criado pelo economista britânico Willian Stanley Jevons. O argumento dele: se a eficiência energética na produção siderúrgica melhorasse, no século 19, o que iria acontecer? Você precisaria de menos carvão por tonelada de minério de ferro, mas aumentaria o consumo total de carvão. Por quê? Quando se melhora a eficiência energética, cai o custo de produzir ferro. Ao cair esse custo, aumenta a rentabilidade da siderúrgica. Isso vai atrair mais capital para o setor, o que vai aumentar a capacidade de produção e a oferta, o que fará o preço cair e a demanda por ferro aumentar. 

É uma lógica perversa, porque o desenvolvimento se torna vilão da sociedade. Quer ver um exemplo atual acachapante disso? Ar-condicionado. Em 1960, 80% dos domicílios americanos não tinham ar-condicionado. Hoje, 84% das casas têm ar-condicionado e a maior parte é central. Entre 1993 e 2005, a eficiência energética do ar-condicionado aumentou 20%, mas o consumo médio por aparelho subiu 37%. Ficou tão barato que as pessoas deixam ligado. Só o ar-condicionado domiciliar equivale hoje ao consumo de eletricidade da economia americana inteira do fim dos anos 50. Essa conta não fecha. A China está entrando hoje nisso e já produz um terço dos aparelhos de ar condicionado do planeta. Você pode aplicar isso a automóvel, geladeira... 

As lutas ecológicas parecem restritas à esfera do Estado e à do mercado. Mas muitos não acreditam que os políticos tenham capacidade de lidar com essas grandes questões. 
Esse é o problema da democracia representativa. O horizonte do político é a próxima eleição e o incentivo dele é maximizar as chances de sucesso eleitoral. É uma visão muito estreita para o tipo de problema que estamos discutindo. Assim como no sistema de preços, a democracia como arranjo institucional não é mais adequada para oferecer as respostas. Como vamos mudar os incentivos para que os políticos mirem as soluções de longo prazo que são relevantes? Não tenho a resposta. 

Em seu outro livro, Nada É Tudo, o senhor falava em investir melhor no bem-estar do futuro. Isso pressupõe tomar decisões difíceis hoje. Do ponto de vista da ética, quais decisões teriam de ser tomadas já? Corrigir o sistema de preços é fundamental. É fundamental ter um bom Código Florestal, que compatibilize o crescimento do agronegócio com a preservação do patrimônio ambiental. Seria ótimo contar com consumidores eticamente mais capazes de viver à altura em termos de prudência e responsabilidade ambiental. Muitas vezes, a pessoa tem para si uma boa consciência, mas seu comportamento não corresponde ao que ela imagina. No dia a dia, ela pega o automóvel, come carne, usa saco plástico à vontade, joga lixo na rua, pega avião. 

E como o senhor age pessoalmente? 
Dentro dos meus limites, tento pautar minhas ações pelo que acredito ser o melhor. Penso duas vezes antes de pedir um saco plástico no supermercado. Não tenho carro e gosto de andar a pé. Estou diminuindo muito meu consumo de carne, não virei vegetariano, mas pretendo caminhar para isso. Estou trazendo o meu dia a dia mais para perto do que considero ideal. Sempre sabendo que, por mais que eu melhore, ainda vai faltar.

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