15 de julho de 2011

zygmunt bauman.


confiança e medo na cidade. 2009.

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O nosso agir ou não-agir só pode “fazer diferença” quando se trata de questões locais, enquanto para as outras questões, declaradamente “supralocais”, não existem “alternativas” – como continuam a afirmar nossos líderes políticos, assim como os especialistas de plantão. Acabamos por suspeitar – com os recursos penosamente inadequados de que dispomos – que esses assuntos seguirão seu curso, não importa o que façamos ou nos proponhamos a fazer de maneira razoável.

Também as situações cuja origem e cujas causas são indubitavelmente globais, remotas e obscuras só entram no âmbito das questões políticas quando têm repercussões locais. A poluição do ar – notoriamente global – ou dos recursos hídricos só diz respeito à política quando um terreno, vendido abaixo do custo – em razão da presença de resíduos tóxicos ou de alojamentos para refugiados políticos -, está localizado aqui do lado, praticamente em “nosso quintal”, aterradoramente próximo, mas também (o que é encorajador) “ao alcance da mão”.

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Quando falamos das condições de vida na cidade, estamos nos referindo, na prática, às condições de vida de toda a humanidade. Segundo as previsões atuais, dentro de 25 anos, cerca de duas pessoas em três viverão nas cidades. Nomes até então nunca ouvidos – Xongkin, Xenyan, Pune, Ahmadabad, Surat ou Yangon – candidatam-se a ter uma população de cinco milhões de habitantes espremidos em conurbações, assim como outros nomes – Kinshasa, Abdijan ou Belo Horizonte – atualmente associados a férias exóticas, mais do que à primeira linha da batalha pela modernização contemporânea. 

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Pois bem, a modernidade venceu, e celebramos o triunfo mundial do moderno estilo de vida: livre mercado, economia e consumo livres – e Mcdonalds para todos.

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Nos períodos de depressão econômica, todos ouvem os políticos dizerem que esperam uma retomada do consumo, o que significa que você, cidadão normal, com uma conta no banco e alguns cartões de crédito, deve entrar nas lojas e comprar mercadorias a crédito, pois a partir daí será possível recomeçar, todos ricos e felizes.  Mas quem é da underclass não tem conta em banco, cartões de crédito e não compra mercadorias que possam gerar lucro: ao contrário, ele precisa de mercadorias que exigem subsídios, e não lucros, e portanto não estará entre os consumidores que encontrarão um modo de sair da crise nem participará da retomada econômica. Por isso, para a sociedade, seria muito melhor se o underclass desaparecesse de uma vez por todas.

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Quis sublinhar aqui que as cidades são depósitos nos quais se procura desesperadamente soluções locais para problemas que foram produzidos pela globalização.

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Podemos, portanto, aprender essa arte na cidade e desenvolver certas capacidades que serão úteis não apenas no plano local, no espaço físico, mas também no plano global. E, talvez em conseqüência disso, estejamos mais preparados para enfrentar a enorme tarefa que temos diante de nós, gostemos ou não, e que há de marcar nossa vida inteira: a tarefa de tornar humana a comunidade dos homens.

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Quando eu era estudante, tive um professor de antropologia que dizia (recordo perfeitamente) que os antropólogos conseguiram identificar a aurora da sociedade humana graças à descoberta de um esqueleto fóssil, o esqueleto de uma criatura humanóide inválida, que tinha uma perna quebrada. Quebrara-a quando era ainda menino, e, no entanto, ele só tinha morrido aos 30 anos. A conclusão do antropólogo era simples: que devia ser uma sociedade humana, pois algo assim não aconteceria num bando de animais, em que uma perna quebrada poria um ponto final à vida, pois a criatura não teria mais condições de se sustentar.

A sociedade humana é diferente do bando de animais. Nela, alguém poderia ajudar um inválido a sobreviver. Ela é diversa porque tem condições de conviver com inválidos – tanto que poderíamos dizer, historicamente, que a sociedade humana nasceu com a compaixão e com o cuidado com o outro, qualidade apenas humanas. A preocupação contemporânea está toda aí: levar essa compaixão e essa solicitude paea a esfera planetária. Sei que gerações já enfrentaram essa tarefa, mas vocês terão de prosseguir nesse caminho, gostem ou não, a começar por sua casa, por sua cidade – e já.




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