Por Wagner Hilário
Isso lhe deixa pouco tempo para nos dar uma Exclusiva. A ministra tem a pressa de 16,2 milhões de brasileiros ainda extremamente pobres. Para conseguir ouvi-la, participamos de uma reunião entre ela, o presidente da Abras, Sussumu Honda, e supermercadistas de todo o País. “Não se trata de filantropia, mas de negócios”, diz a ministra. Ela quer o apoio do setor para combater a miséria no País, seja formando, qualificando e empregando jovens participantes de programas sociais ou comprando de agricultores familiares organizados pelo governo para fornecerem também para o mercado privado.
Tereza Campello mostra o que o governo tem feito ao longo dos últimos oito anos nesse sentido e o que pretende fazer para os próximos quatro. A primeira participação efetiva da economista Tereza Campello no combate à miséria se deu em âmbito estadual, no Rio Grande do Sul, quando foi secretária adjunta de Governo durante a gestão do petista Olívio Dutra, de 1999 a 2001. Esteve à frente da elaboração de programas de estímulo e fortalecimento da agricultura familiar no Estado.
Depois de passar pela administração estadual, Tereza foi chamada, em 2002, pelo então recém-eleito presidente Lula para integrar o grupo de transição, formado por profissionais que preparariam o terreno para o novo governo tomar posse em 2003. “De lá para cá, muita coisa mudou.” O governo criou o Bolsa Família, do qual Tereza seria coordenadora, e o MDS. “Na época, o ambiente era desfavorável. O programa era tachado de eleitoreiro e ninguém acreditava na erradicação da fome. Mas com a retirada de 27,2 milhões de pessoas da extrema pobreza em oito anos, hoje a maioria acredita”.
Ainda no Governo-Lula, Tereza assumiria a subchefia adjunta de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, onde encabeçou projetos prioritários na área de desenvolvimento, como os programas de produção de biodiesel, de etanol, de óleo de palma, além do Mutirão Arco Verde, que levou serviços públicos, regularização fundiária e fomentou o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Tamanha experiência culminou com a sua nomeação a ministra do MDS em 1º de janeiro de 2011.
Quais são os teóricos de economia mais admirados pela ministra?A economista que mais admiro é a portuguesa Maria da Conceição Tavares. (Economista que se notabilizou por estudos no campo do desenvolvimento econômico de países periféricos, especialmente o Brasil.) Ela nos fez entender nossa história econômica. Defendia a ideia de que países como o Brasil, com um mercado interno de massas, devia usar esse mercado para impulsionar seu desenvolvimento econômico, seu crescimento. Muito do que estamos fazendo pelo Brasil no sentido de incluir no mercado de consumo pessoas antes à margem dele se baseia nos estudos de Maria da Conceição.
Quanto o Brasil conseguiu reduzir a pobreza nos últimos anos e qual é a principal razão?Se compararmos o Censo-2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) com o de 2000, veremos que nesse intervalo a população brasileira cresceu 13%, o que em números absolutos significa 22 milhões de pessoas a mais. Enquanto a população brasileira aumentou, o número de miseráveis no país caiu. Em 2000, tínhamos 14,5% da população abaixo da linha da pobreza extrema. Hoje, temos 8,5%. Esse resultado é fruto de uma série de medidas tomadas e realizadas por todos os departamentos do governo federal, não apenas pelo MDS. O Brasil é hoje referência no mundo todo em tecnologias para o desenvolvimento social, mas também somos referência do ponto de vista econômico, justamente porque conseguimos valorizar o nosso mercado interno de massas. Os trabalhos realizados em âmbito social, de inclusão, de transferência de renda, têm papel relevante não apenas na erradicação da miséria como também no crescimento econômico sustentável.
Qual é o papel da educação na erradicação da miséria e como o governo a tem usado para atingir esse objetivo?
Ela cumpre o papel de quebrar um ciclo geracional. A educação faz com que a pobreza não se perpetue geração após geração dentro de uma mesma família. Interrompe um ciclo vicioso de pobreza e despreparo. Um exemplo do que fazemos nesse sentido é o próprio Bolsa Família, condicionado à presença na escola das crianças da família beneficiada. Nossas pesquisas mostram que o Bolsa Família não apenas aumentou o número de crianças nas escolas, mas também indicam que os alunos cujas famílias recebem o benefício mostram-se mais interessados e conseguem melhorar seus desempenhos escolares. O que precisa ser dito também, porque muitas vezes as pessoas não entendem, é que se você não der comida a quem não consegue ou tem dificuldade em adquiri-la, ela não terá como estudar. No caso de uma criança, o dano da falta de alimentação adequada é para a vida toda. Se ela não se alimenta adequadamente entre zero e cinco anos, terá sua capacidade cognitiva prejudicada. Por isso, o Bolsa Família é fundamental ao garantir o mínimo necessário à alimentação dessas pessoas. Com esse e outros programas, reduzimos a desnutrição à metade no País nos últimos anos.
Quais seriam as políticas públicas mais destacáveis dos últimos oito anos no sentindo de promover a erradicação da miséria no País?
Eu destacaria o aumento do emprego e da sua formalização, uma política permanente de valorização do salário mínimo, a ampliação e a consolidação de programas de transferência de renda — em especial o Bolsa Família — e ao mesmo tempo a ampliação do crédito, cujo exemplo é o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), responsável pelo crescimento vertiginoso da produção de alimentos da agricultura familiar brasileira. Para se ter ideia da importância dada pelo governo à agricultura familiar, o crédito concedido pelo Pronaf saiu de R$ 2,5 bilhões ao ano em 2003 para mais de R$ 12 bilhões atualmente e queremos chegar a R$ 16 bilhões. Mas o fato é que, mesmo com tudo isso, ainda há 16,2 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil.
Quanto tempo deve levar para que se tire da miséria esses 16,2 milhões?
Temos um plano ousado, mas por tudo o que conquistamos até aqui acredito que seja possível realizá-lo. O plano se chama Brasil Sem Miséria e pretende tirar essas mais de 16 milhões de pessoas da extrema pobreza até o fim de 2014. Se conseguirmos isso, seremos o primeiro país em desenvolvimento a erradicar a miséria e teremos nos antecipado ao prazo dado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o Banco Mundial. O plano, internacional, de que falo se chama Objetivos do Milênio. O primeiro desses objetivos é a erradicação da fome no planeta, cujo prazo é 2020.
Como é feita a classificação de quem é miserável no Brasil e no Mundo?No Brasil, extremamente pobre é quem vive com menos de R$ 70 ao mês. Nós estabelecemos R$ 70 per capita como linha da extrema pobreza porque esse é o valor que distribui o Bolsa Família. É mais do que o Pnud e o Banco Mundial adotam como linha da extrema pobreza no mundo. No cálculo deles, essa linha fica entre R$ 60 e R$ 68.
A realização deste plano é de responsabilidade estrita do MDS?
Não. Aliás, é importante frisar que este plano não está substituindo o conjunto das ações do estado brasileiro no sentido de promover a distribuição de renda. Brasil Sem Miséria é um esforço extraordinário de toda a sociedade brasileira que, terá no âmbito governamental a participação de todos os ministérios com a coordenação do MDS. Vamos precisar não apenas de todo o governo federal, mas também dos estados, municípios, universidades e iniciativa privada. A reunião com o setor supermercadista (realizada no dia 10 de maio de 2011) tem justamente o propósito de engajá-los nesse plano.
Em que consiste o plano?
O primeiro passo foi mapear a miséria no Brasil, saber em quais regiões do País ela está, quais são as principais características dessas localidades, dessas famílias e pessoas. Ficou claro, por meio desse mapeamento, que esses 16,2 milhões de pessoas serão mais difíceis de incluir do que foram os 28 milhões inclusos nos oito anos anteriores. Em geral, essas pessoas vivem em regiões com baixo dinamismo econômico, têm baixíssimo nível de escolaridade, de qualificação, acesso escasso a recursos, informações, oportunidades, atividades produtivas e serviços públicos. Em outras palavras, é a população mais carente de tudo: de renda, educação, esgoto, saúde, segurança pública e assistência social. Ou seja, essa população não conseguirá se incluir naturalmente nesse Brasil de oportunidades, que cresce a taxas sustentáveis. Eis a justificava para a criação dessa grande força-tarefa nacional para incluí-los.
O Nordeste tem 59% dessa população, quase 9,6 milhões de pessoas. Norte e Sudeste têm 17% cada e essas três regiões somam quase a totalidade da população extremamente pobre do País. Em números absolutos, metade dessa população está em área urbana e a outra metade no campo. Mas proporcionalmente ao número de habitantes, a pobreza é maior no campo. A cada quatro camponeses um é miserável (no Brasil há 29 milhões de camponeses, dos quais 7,25 milhões vivendo em condições miseráveis). Quando se analisa a faixa etária, nota-se que os menores de 19 anos são metade da população em extrema pobreza no País. Os com menos de 14 são 40%. A pobreza se concentra fortemente em crianças e adolescentes.
Com tudo isso mapeado, quais são as medidas já definidas pelo plano para serem postas em ação?
O plano se divide em três grandes eixos e segue duas rotas. Os três grandes eixos são: transferência de renda, serviço público e inclusão produtiva. As rotas: campo e centros urbanos. A inclusão produtiva diz mais respeito aos supermercados, então vamos falar dela nas duas rotas. Na urbana, nossa grande preocupação é a geração de ocupação de renda. Portanto, qualificação para inclusão no mercado de trabalho. O governo intermediará a inclusão dessa mão de obra em diversas áreas, aproveitando oportunidades em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), iniciativa privada, economia solidária — há todo um planejamento para catadores de material reciclável — e por meio do microcrédito para o microempreendedor individual. Na rota rural, nosso grande objetivo é o aumento da produtividade, o que também será feito por meio de um conjunto de ações do governo, como qualificação profissional, acesso aos meios de produção — água, semente e assistência técnica —, acesso aos mercados e aumento da produção para fim de autoconsumo.
Como o governo espera que o setor supermercadista participe dessa força-tarefa?
Nossa ideia é que os supermercados participem nas duas rotas. Na urbana, queremos contar com os supermercados no processo de qualificação e contratação de mão de obra. Nós temos o Cadastro Único com informações sobre 20 milhões de famílias com residência fixa. Já estamos fazendo um trabalho bastante avançado de intermediação entre as empresas do ramo da construção civil e os contemplados pelos programas de transferência de renda e as famílias cadastradas pelo governo. Vale lembrar que dessas famílias 56% dos membros são jovens, muitos à procura de seu primeiro emprego. Interessa-nos bastante que essa população seja qualificada também para atuar no mercado supermercadista. Na rota rural, queremos tratar da compra por parte de supermercados de produtos da agricultora familiar, em especial de produtores rurais extremamente pobres. Para isso, o governo já prepara pequenos agricultores e preparará outros para que possam fornecer ao mercado de consumo.
Em que consiste esse preparo dos agricultores?
São famílias muito pobres e desprovidas de outros recursos e só distribuição de semente e água não viabilizaria o aumento da produção. Faltam conhecimento e orientação. Assim, estamos prestando serviço de assistência técnica e simultaneamente fornecemos água, mudas, insumos, sementes — produzidas pela Embrapa (Empresa Brasileira de Tecnologia Agropecuária) e com o que há de melhor em tecnologia agrícola no País — e viabilizamos um repasse de recursos a fundo perdido para que essas pessoas também possam comprar adubo, equipamentos e melhorar a produção. Com assistência técnica, insumo, fomento e água, nós esperamos aumentar a produção para abastecer o mercado privado, a própria demanda dessas famílias e ampliar o abastecimento ao mercado público institucional (merenda escolar e Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, por exemplo), do qual já fazem parte 156 mil famílias agricultoras. O governo espera ampliar esse número para mais de 400 mil; dessas, 255 mil famílias extremamente pobres. Assim, as compras anuais governamentais devem saltar de R$ 690 milhões para R$ 2 bilhões até 2014). Para atingir nosso objetivo, pretendemos injetar na agricultora familiar durante os próximos quatro anos R$ 5,6 bilhões.
Para atender o mercado privado, porém, é necessário superar alguns gargalos, principalmente de ordem logística. Como isso será feito?
Nós vamos colocar em contato com o mercado privado, o que inclui supermercados e restaurantes, os agricultores familiares que já fornecem para o mercado público institucional pelo PAA e mais 33 mil agricultores que estamos preparando. A maioria desses agricultores foi organizada ao longo desses oito anos pelo governo federal, formando uma rede que hoje é composta por agricultores que conseguem emitir nota, distribuir e gerar excedentes. Eles têm nome, endereço e CPF. Essa rede, em especial alguns produtores de milho, feijão e farinha de mandioca, está organizada e habilitada a comercializar com o mercado privado. Para os próximos anos é possível diversificar ainda mais a linha de produtos, incluindo pescados, hortifrutigranjeiros e produtos diferenciados da sociobiodiversidade. Para facilitar essa comercialização, o governo disponibiliza as centrais de distribuição do PAA, espalhadas em quase todos os estados, Ceasas conveniados e outros. Estamos dispostos a recolher os produtos nas micropropriedades e disponibilizá-los nessas centrais.
Já há algo sendo feito para viabilizar essa parceria entre MDS e supermercados?
Estamos em conversas com a Abras para a criação de um comitê técnico de cooperação envolvendo pessoas do governo e do setor, que se reúna periodicamente e evolua para a assinatura de um termo de cooperação seguido de ações efetivas para a formação, qualificação e inclusão de mão de obra, sobretudo nos grandes centros urbanos, e parcerias comerciais efetivas entre supermercados e agricultores familiares. Queremos achar a melhor maneira de levar esses produtos ao mercado de consumo brasileiro e tornar cada vez mais sustentável a atividade desses agricultores. O que propomos trará benefícios a todos, inclusive ao setor supermercadista. Afinal, a erradicação da miséria e a inclusão no mercado de trabalho significam também a inclusão de milhões no mercado de consumo.
#supercarrinho @supercarrinho
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super carrinho. faça as idéias rodarem aqui também.
obrigada pela participação no debate.