15 de março de 2011

SUPER DEBATE. Dia do Consumidor. Dos hippies aos hypes.






O Dia Mundial do Consumidor deste ano acontece em meio ao risco de 'catástrofes naturais e artificiais', dramaticamente lembrado pelo que está acontecendo no Japão. Melhor seria dizer no planeta. Foi justamente o direito à segurança que inspirou a criação da data de hoje nos anos 80, nos Estados Unidos, numa homenagem ao 15 de março de 1962, quando o então presidente John Kennedy falou em proteger o consumidorDurante os anos sessenta - guerra fria, poluição crescente - surgiu o medo de uma tragédia nuclearJunto com o medo, veio a esperança do movimento hippie, que inventou uma idéia de juventude. Os hippies convidaram a humanidade para um retorno aos valores humanistas e à natureza. Algo que a moda hippie chic que faz sucesso hoje quase nunca tem em vista.


Em 1966, os Beatles, tão ou mais famosos que Jesus Cristo, desembarcaram em Tokyo. Isso depois de esperar que um furacão passasse. Quando tudo voltou ao normal, 25 mil fãs se reuniram na arena de Budokan para vê-los. Os telejornais, tirando partido da infeliz coincidência, se referiram ao "furacão Beatles".  Naquela época, as guitarras do fab four já estavam um pouco cansadas, mas embalaram o sonho dos jovens japoneses de montar uma banda. Foi uma das suas últimas apresentações. Sinais dos tempos: nos anos 2000, o quarteto virou jogo de video game e a pop star virtual Hatsune Miku é quem estava lotando os estádios por lá.  A juventude virou público-alvo estratégico de empresas transnacionais e, não raras vezes, o primeiro emprego de meninas e meninos das grandes cidades acontece nas redes dos restaurantes que vendem hamburguer.  Cheio de gadgets e xingando muito no Twitter, essa juventude ainda se reúne com os amigos para curtir - ou  baixar - música. Muitas das suas bandas não tem mais guitarras.  Alguns festivais ainda se organizam em torno de mensagens de paz e amor. No entanto, cobram caro pelo ingresso aos jovens consumidores, targets reais ou potenciais dos patrocinadores, e nem sempre dá para sustentar o discurso da sustentabilidade que pregam.  Greenwash: mentiras pintadas de verde. Uma responsabilidade social muito falada e nem sempre praticada pelas empresas.  Woodstock não se orgulharia desse suposto legado.


Lembrando algumas pesquisas recentes: 64% entre os maiores de 24 anos não estão nem aí para meio ambiente. 52% dos que tem entre 20 e 24, idem. Apenas 50% dos jovens com idade entre 12 e 19 anos estariam dispostos a mudar algum hábito. (Ibope)  Há menos encantamento e idealismo. Fazer a revolução também não soa mais tão interessante. Ganhar bem quando tiver uma profissão, isso sim, se tornou importante, ainda que não saibam muito bem que profissão seria essa (Veja).  Não há dúvida, porém, quanto aos seus interesses: 45% dos adolescentes mais ricos correm às lojas para consumir novidades tecnológicas assim que elas chegam (Deloitte). 


O Dia do Consumidor é uma oportunidade para pensar nesse cada vez mais jovem consumidor; e na sociedade de consumo onde vai se tornar adulto. O Ministério do Meio Ambiente rebatizou o dia do Consumidor como  'Dia do Consumidor Consumidor Consciente'. No entanto,  apenas 5% dos brasileiros poderiam ser considerados assim, diz o Instituto Akatu que hoje completa 10 anos.  78% do que é produzido no mundo seria consumido por 1/6 de toda a humanidade, enquanto 1/5 sobreviveria com menos de cerca de 2 reais por dia (O Estado do Mundo). Milhões de consumidores, no Brasil, na Índia e na China, para citar alguns, estão reinvindicando a sua parte. A pesquisa da ONU, Is the Future Yours? [ O futuro é seu?], mostrou resultados diversos nesse sentido. No Brasil, 37% dos jovens gostam de fazer compras, índice superior ao do Japão (31%).  Cerca de 20% dos mais jovens já possuem um cartão de crédito. Aqueles que ganham mesada, gastam sem pensar em poupar ou mesmo em doar. O que diria John Lennon, um dos ícones da filosofia hippie, sobre tudo isso se tivesse 140 caracteres?  


Ao lado de Justin Biber, Lennon foi uma das personalidades mais procuradas pelas crianças na internet, recentemente. Isso se deu em função do aniversário de 30 anos da sua morte, no final do ano passado. Sua 'viúva', Yoko Ono, disse, numa entrevista que se John estivesse vivo, certamente adoraria as redes sociaisImpossível não imaginar como seria ter o autor de Imagine na sua página. Talvez Lennon postasse as fotos da sua lua-de-mel no Facebook, como todo mundo. Talvez apoiasse a revolução sem herói - ou de milhares de heróis - do Egito.  Mas certamente criticaria a guerra dos robôs, que acontece todos os dias na rede, quando jovens se envolvem em campanhas, movimentos e debates que são menos ativistas do que parecem. Um milhão de pessoas diferentes foi o registro dos acessos, no mesmo dia, num link repassado pelo ator Charlie Sheen. Nem todo mundo sabia que era propaganda. No carnaval, não se falou de outra coisa que não a escolha da cantora Sandy para uma campanha publicitária de cerveja, enquanto circulava uma entrevista em que ela dizia não gostar da bebida. Devasso é o capitalismo. Esta animação da Universidade Federal do Rio de Janeiro fala sobre o assédio do mercado tabagista aos jovens consumidores.


Em um artigo recente, George Monbiot, do The Guardian, chamou a atenção para a gravidade do que chamou de 'fingimento online', que levaria a pensar que é relevante para todo mundo o que só importaria, de fato, a alguns poucos - mais precisamente empresas.  E ninguém mais vulnerável aos constrangimentos da aceitação social que os jovens. Usando a estratégia do astroturfing para lutar contra a regulamentação da indústria, por exemplo, companhias de tabaco teriam distribuído diversos conteúdos favoráveis à sua visão da questão. Só que, ao contrário de emails institucionais, expondo argumentos, "amigos" virtuais é que apoiariam voluntariamente  a causa, defendendo-as nos seus profilestimelines - na verdade, profissionais pagos para isso.  "A internet é um presente maravilhoso", diz Monbiot, "mas também o é para lobistas do mundo corporativo, criadores de marketing viral e relações públicas de governos, que podem operar no mundo virtual sem regulamentação, responsabilização ou medo de serem detectados"





Yoko tem aparecido mais, pedindo ajuda para as vítimas do terremoto e do tsunami que vem assolando seu país desde a última sexta-feira.  Já não bastasse a mudança climática, agora o fantasma atômico voltou a assombrar, com a possibilidade de vazamentos graves nas usinas, por causa dos abalos.  É Dia Internacional do Consumidor, décadas depois da fala de Kennedy, e a segurança não poderia estar mais na pauta. Além da integridade física, limites ontológicos também estão incertos.  Não por acaso a andrógina Lady Gaga - um mashup vivo - faz tanto sucesso. Não por acaso ela também gravou ImagineAliás, se você entrar no site da Lady Gaga, poderá comprar uma pulseirinha onde está escrito Pray For Japan. Estão dizendo que o design foi criado por ela.  A griffe Lady Gaga para jovens sem Lennon.


O mundo de hoje não é, em muitos aspectos, pior que o mundo dos hippies: eles não tinham internet como os hypados de agora, por exemplo. E se eles tiveram John Lennon, temos John Lennon da Silva.  O jovem bailarino brasileiro, que ficou famoso no YouTube, talvez não tenha feito de propósito. Mas ao escolher 'A morte do Cisne' nesta abordagem, para um concurso de danças na TV, fez uma  metáfora de toda uma geração: se não é possível escapar de um sistema que quer remoçar consumindo a juventude consumista, talvez seja possível dançar de outro jeito. Sem ingênuas generalizações: nem todos os jovens têm condições de reagir a isso, seja por que estão dentro demais desse esquema, seja pela ausência da família, de políticas públicas para a juventude, seja por que sofrem pela sua exclusão e o constrangimento as leva mais a desejar ser 'incluído' do que entender o que está em jogo. Mas se um conseguir trocar o compasso quem sabe... ? E a ditadura do 'consumo jovem' também poderá cair.






Josi Paz - Publicitária, doutoranda em Sociologia, pesquisa o tema sociedade de consumidores e mudança climática. @josipaz


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