9 de março de 2011

sobre ciência e aquecimento global. do portal luis nassif.


(Atualizado em 9 de março, às16h20)
Por Alexandre Costa
Caro Nassif e demais
Sou Doutor em Ciências Atmosféricas, tendo completado meu doutorado há 11 anos, conto com quase 3 dezenas de publicações em periódicos com árbitro e mais de uma centena de publicações em eventos científicos, sou pesquisador do CNPq e integrante do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).
É preciso distinguir o que é estabelecido pela ciência do clima da esfera das decisões políticas, mas o que percebo é que há um forte interesse em, para atacar determinadas opções por políticas de adaptação e mitigação (política energética, por exemplo) e/ou defender determinados interesses econômicos, tenta-se lançar uma cortina de fumaça, falsificando questões cuja solidez científica é a mesma da relatividade, da evolução ou da gravitação.
O dióxido de carbono é um gás de efeito estufa de poder significativo. Isso já é conhecido desde os trabalhos de Arrhenius, no séc. XIX. Sua influência em climas planetários é facilmente verificado em Vênus (cuja atmosfera é constituída em mais de 90% por esse gás), que em função da cobertura de nuvens que reflete 70% da luz solar, recebe em sua superfície 1/12 do que recebe Mercúrio (menos radiação solar do que a Terra, na verdade) e ainda assim é bem mais quente do que o planeta mais próximo do Sol. Também é verificado por meio dos registros paleoclimáticos de nosso planeta, que mostra inequivocamente que os períodos de maior temperatura apresentaram maiores concentrações de CO2 em nossa atmosfera (na qual seu efeito é amplificado pelo chamado "feedback do vapor d'água").
Outra mistificação que precisa ser desfeita diz respeito ao IPCC (no qual o PBMC se espelha). O mesmo tem o papel de coletar a informação existente sobre clima e impactos. Tal informação é a que existe na literatura científica que passa por um processo de revisão por pares, o que pressupõe críticas, aperfeiçoamento, verificação e, por vezes, reprodução dos resultados, para que determinado resultado seja publicado. É em artigos publicados na Science, Nature, Journal of Climate, dentre outros, que o IPCC baseia seus relatórios. É nessa literatura, produzida por cientistas de fato atuantes, que se auto-corrige e se complementa constantemente, que se pode depositar confiança; não em blogs, textos lançados de qualquer maneira na internet ou entrevistas desprovidas de fundamentação. O trabalho dos negadores da mudança climática é baseado na mais pobre pseudo-ciência e muito se assemelha ao dos defensores do "design inteligente" em seus ataques à evolução e ao dos marionetes da indústria do tabaco que por muitos anos tentaram semear dúvidas juntoà população no que tange às pesquisas que estabeleciam a ligação entre tabagismo e câncer.
Pior do que isso só a acusação feita acima sobre os financiamentos em pesquisa, argumento de quem realmente não conhece como funciona a ciência. Não se recebe recursos para pesquisa para anunciar um resultado, mas para se chegar a ele. O que acontece é que toda pesquisa séria em ciência do clima tem levado inequivocamente à constatação de que o planeta está aquecendo e que isso se deve à elevação das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera associada às atividades humanas com destaque para a queima de combustíveis fósseis. A ciência, quando se trata realmente de medir, verificar, modelar, testar, etc., ela é sempre aberta a prova e contra-prova  (vide exemplos recentes como a da bactéria com Arsênio em seus ácidos nucléicos ou o anúncio controvertido da bactéria em meteorito). Geralmente, há sempre um grande numero de colegas cientistas dispostos a provar que o que um outro colega disse não é verdade. Agora, o que se faz quando determinada hipótese é testada, retestada, etc., e todos os resultados científicos convergem? Ela deixa de ser hipótese, ganha o status de teoria e passa a ser vista como "fato" e é isso que acontece com o aquecimento global, verificado por dados instrumentais, testemunhos paleoclimáticos e estudos de modelagem.
Caro Alexandre,
lamento informar, mas só vc e a velhinha de Taubaté é que acreditam nesta isenção científica, isolada de verbas para financiamento de pesquisas. Se vc tem 11 anos de doutorado, eu tenho mais de 40 anos de convívio, como jornalista, junto às comunidades acadêmicas e e de pesquisadores, em especial na área agrícola. Não é só no Brasil que os pesquisadores se queixam da falta de verbas, lá fora também, em todas as áreas, e mais ainda nessa questão ambiental. De outro lado, lembra dos hackers que entraram nos computadores da East Anglia, na Inglaterra, que é um braço direto do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática], e que eles baixaram mais de mil e-mails.? Alguns deles são comprometedores. Manipularam uma série para que, ao invés de mostrar um resfriamento, mostrassem um aquecimento. Converse com Luis Carlos Molion, climatologista da Univ. Federal de Alagoas (mais de 40 anos de experiência,  e é doutor  como vc e professor), representante da OMM no Brasil, pois ele não acredita que exista aquecimento, ainda diz que vai esfriar, e afirma que há manipulação dos dados, e que é impossível esse "aquecimento médio".
Os pares? Ora, os pares, estão calados pela pressão dos ímpares imperialistas que mentem sobre o aquecimento para vender nucleares. Tomara que aqueça mesmo, que derreta o gelo no Norte, talvez surjam terras agricultáveis debaixo do gelo, pois a humanidade vai precisar comer...
Dois acréscimos ao meu comentário acima:
1º - o agrônomo Odo Primavesi, que assina comigo o artigo CO2: a unanimidade da mídia é burra, foi um dos 2.500 cientistas do mundo inteiro (e 1 entre os 17 brasileiros) convocados pelo IPCC para "provar a tese" do aquecimento, fato que ele atesta no artigo a "forçada de barra" que foi para culpar os GEE.
2º - quem convive com pesquisadores, como eu convivo, sabe das dificuldades que eles têm para obter verbas para a realização de pesquisas científicas. Pois entre 1998 e 2010 só os pesquisadores com projetos de pesquisas que "provariam" a tese do aquecimento tiveram verbas de diversas instituições internacionais. Podem perguntar a qualquer um deles, e se  algum pesquisador tinha  alguma tese para provar o contrário nada recebia de verba... Democrático, né não?
Por Alexandre Costa
Uma outra questão que é importante esclarecer, é que o episódio chamado de "Climategate" não passou de um factóide.
Primeiro, Fox News e todo o aparato da imprensa reacionária mundial reverberaram frases fora de contexto e palavras usadas num contexto informal, para semear confusão junto à opinião pública. Uma das mais grosseiras falsificações foi divulgar que os cientistas teriam usado um "truque" ("trick") ou uma manipulação de dados. Quanta má fé! Na academia, o uso da palavra "trick" geralmente se refere ao uso de um método inteligente para atacar uma "tricky question" (questão capciosa).
Nenhuma série de dados foi manipulada e aqui é importante esclarecer do que se trata. Reconstruções paleoclimáticas são uma das ferramentas mais importantes para se investigar as mudanças climáticas, afinal, antes de meados do século XIX não havia nenhuma rede de observações mundiais, mesmo rudimentar, que possibilitasse o acompanhamento da evolução do clima. Como descobrir qual a temperatura (ou qual a precipitação) que ocorreu num período em que não havia termômetro (ou pluviômetro) para medi-la? Há várias (incluindo sedimentos marinhos, composição isotópica do gelo da Groenlândia e Antártica, etc.), sendo uma delas o crescimento de árvores. Em latitudes médias há uma correlação muito forte entre temperatura e espessura dos anéis de crescimento e esse fato foi usado para recuperar a temperatura do passado (taliás, trabalho recente, não disponível quando do quarto relatório do IPCC, mostra que o aquecimento atual não tem precedente nos ultimos 2500 anos). Essa correlação temperatura-crescimento de árvores (isto é, uma série acompanhando a outra) se preserva até poucas décadas atrás, quando as duas passaram a divergir, o que se acredita ser por influências outras do homem no crescimento das árvores (poluição, aerossóis, chuva ácida, etc.). Mas daí, vem a questão: qual a finalidade dos dados dendroclimatológicos (de árvores)? Não seria COMPLETAR a série de temperatura para o passado, quando não tínhamos termômetros? Tendo sido isto feito usando o período em que termômetros e árvores concordam, o objetivo não já fora cumprido? É manipulação de dados usar o "proxy" (isto é, a inferência indireta) até o momento em que os termômetros surgiram e a partir daí mesclar a série para deixar, no presente, somente os dados de termômetros e satélite? Eu chamaria isso de bom senso. Ou você vai acusar os supermercados de manipularem o peso dos alimentos ao usarem balanças eletrônicas e abandonarem os dinamômetros e as balanças de prato?
Alguém poderia questionar: mas se as séries divergiram agora, não teriam divergido no passado e portanto não poderia haver problemas com as séries reconstruídas? Apesar de no passado termos bem menor influência do homem sobre o ambiente, o que torna essa hipótese no mínimo improvável, admitamos que sim! A questão é que todas as outras reconstruções (de menor resolução temporal, mas menos sujeitas a outros forçantes ambientais, como  gelo, borehole, corais, etc.) acompanham a reconstrução por árvores! Não é à toa que todo estudo sério mostra claramente que: 1. Nem no chamado "período medieval quente" (mais um fenômeno regional do que global), as temperaturas globais foram altas como agora; 2. Não há aquecimento precedente em cerca de 2500 anos; 3. É preciso talvez voltar ao Holoceno médio (6000 anos atrás) para se encontrar uma temperatura parecida, num momento em que o eixo da Terra estava mais inclinado e o verão do hemisfério norte (com mais continentes) não coincidia com o periélio, como hoje e que, portanto, havia mais radiação solar disponível para aquecer as grandes placas continentais do planeta.
Um último detalhe é que mesmo que tivesse havido problemas com a série (medida, não reconstruída) da CRU-UEA, ela é apenas uma das usadas mundialmente para analisar a temperatura global (pequenas diferenças de metodologia produzem estimativas que diferem ano a ano na casa dos centésimos de grau entre HadCRU e NASA GISS, por exemplo). Detalhe: a série da CRU é a que apresenta MENOR aquecimento. Estranho, não? Teriam sido elas manipuladas para fazer com que o aquecimento global fosse aparentemente menor? Ou a questão é que os cientistas americanos (esses tolos que não percebem que poderiam estar bem melhores de vida se seguissem o obscurantismo dos republicanos e se curvassem aos desejos da Exxon, Texaco e cia.) entendem mais ainda de manipular dados que os ingleses? É muita fantasia...


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