14 de abril de 2011

sustentabilidade e neuroplasticidade do cérebro.



14/04/2011 às 17:11 


Blog da Regina Miglori
A cena se dá em um shopping qualquer: uma moça passeia pelas vitrines. Repentinamente, sua expressão se transforma em um misto de alegria e desejo: “eu preciso comprar este sapato”.
Esta necessidade premente não surge porque no seu armário não haja sapatos. Também não significa que esteja descalça. É só mais um. Mas se tornou necessário. Como consumidora responsável ela pode até investigar a origem do sapato, as políticas do fabricante, as crenças da loja, se a fatura do cartão de crédito aterroriza, lembra-se com compaixão dos que não têm sapatos para calçar, sonha com uma vida mais simples e descomplicada, mas nada disso impede que o ato da compra se consume. Talvez esta decisão da consumidora esteja muito mais condicionada do que podemos imaginar. Mas parece consciente, responsável e sustentável. Será?
Há inúmeras respostas para essa questão. Uma delas vem das neurociências. O fenômeno da plasticidade do cérebro corresponde à possibilidade dos neurônios transformarem sua forma ou função, de modo prolongado ou permanente, em decorrência de uma ação do ambiente externo, ou seja, das nossas experiências.
Em relação a uma cena em que ocorre um acidente de carro, podemos distinguir diferentes níveis de interação. O motorista do carro, por não usar o cinto de segurança, sofre uma fratura de crânio e perde tecido cerebral. Provavelmente terá um longo processo de recuperação, com a gradativa, e possivelmente incompleta, restauração das funções atingidas. Alguém que passa pelo local no momento do acidente, se impressiona com a gravidade dos ferimentos do motorista e nunca mais se esquece da cena. Uma outra pessoa, lê a notícia sobre o que ocorreu com aquele motorista que não usava o cinto de segurança, e se convence de que é melhor passar a usá-lo.
Nestas três situações há um ponto em comum: o cérebro das três pessoas respondeu aos estímulos do ambiente externo. A primeira sofreu uma lesão. A testemunha teve uma forte impressão emocional. E a terceira pessoa modificou seu comportamento em função das informações a que teve acesso.
Este é o fenômeno da neuroplasticidade, a denominação das capacidades adaptativas do sistema nervoso, especialmente dos neurônios, às condições e experiências de cada indivíduo.
O sistema nervoso modifica sua organização estrutural e funcional em resposta às nossas experiências, desde lesões traumáticas destrutivas, até os processos de aprendizagem e memória. É um fenômeno constante e marcante, que ocorre em todos os momentos da nossa vida. Nada disso é novo, sempre ocorreu. Nova é a consciência a respeito desses processos que ocorrem em cada um de nós. E com isso, novas dimensões de responsabilidade consigo mesmo e com os outros.
Há várias formas de plasticidade, mas interessa-nos, neste momento, algumas daquelas relacionadas aos nossos hábitos, comportamentos, memória e aprendizagem.
O grau de plasticidade varia conforme a idade. No período de desenvolvimento o sistema nervoso é mais plástico, já que tudo está em construção. Na infância, há uma fase durante a qual a influência do ambiente é altamente relevante para o estabelecimento de características fisiológicas e psicológicas do indivíduo. São os chamados períodos críticos.
Na idade adulta, outros mecanismos entram em ação. De qualquer forma, sempre que falamos em plasticidade, estaremos nos referindo a um processo de modificação provocado no sistema nervoso de tal intensidade, que impressionou inclusive os primeiros neurocientistas que se dedicaram a estudar este assunto.
O que se sabe é que, em função das condições ambientais e das nossas próprias experiências, é possível provocar mudanças morfológicas: novos circuitos se formam pela alteração das fibras nervosas; novas configurações do neurônio; ou alteração do número de células de uma determinada região cerebral. Em outros casos, identificam-se correlatos funcionais, ou seja, a modificação das atividades sinápticas de um determinado circuito ou grupo de neurônios.
Ou seja, nossas experiências e interações com o mundo formatam nosso cérebro.
Exemplos da plasticidade sináptica são as decorrentes da teoria de Hebb. Na década de 40, antes mesmo que se tivesse certeza de que as sinapses existiam, este psicólogo canadense propôs uma teoria para a memória com base na plasticidade sináptica. Sua teoria permaneceu sem grande repercussão durante 30 anos, até que neurocientistas passaram a identificar fenômenos comportamentais e celulares que poderiam ser explicados por ela.
Atualmente a noção de memória se tornou muito mais complexa, mas os fenômenos descritos por Hebb podem ser identificados em diversas circunstâncias, e atualmente se tornou um modelo celular e molecular da memória. Trata-se dos fenômenos de habituação, sensibilização e condicionamento clássico.
A habituação ocorre quando a resposta ao estímulo diminui com a sua repetição, até que ele se torna inócuo. Leia-se rotina. Não importa o que aconteça, parece que nada muda.
A sensibilização é resultado de uma aprendizagem em que uma resposta aumenta quando precedida de algum sinal de aviso. Ou seja, é o oposto da habituação. Um estímulo muito forte faz o organismo reagir, e ele fica avisado que outros podem surgir – qualquer que seja o estímulo seguinte (mesmo que seja suave) provocará igual reação. Acho que todo mundo conhece este fenômeno, para o bem e para o mal.
O condicionamento clássico, análogo ao reflexo condicionado descrito por Pavlov, corresponde à associação de um estímulo forte a um único tipo de estímulo inócuo. Quando este último é aplicado sozinho, passa a ser eficaz em provocar a mesma resposta obtida em relação ao estímulo forte.
A plasticidade pode ser benéfica ou não. No final do século XX, os americanos Edward Taub e Michael Merzenich identificaram as causas do fenômeno denominado “membro fantasma”, causador de tanto sofrimento em pessoas que passam por algum tipo de amputação. Muitas dessas pessoas seguiam com a sensação de dor em um membro que não mais existia. Os tratamentos variavam, mas não surtiam efeito.
O que se identificou por meio de registro eletrofisiológico e imagens funcionais por ressonância magnética, é que parece existir uma forte correlação entre o grau de reorganização cortical após a amputação e a intensidade da dor fantasma – não se trata de um fruto da imaginação, e sim o produto de um cérebro que muda com a nova realidade, mas não esquece suas imagens passadas.
Também tem sido demonstrado através das técnicas de neuroimagem que mapeiam regiões funcionalmente ativas do cérebro, que as regiões lingüísticas de pessoas surdas que utilizam linguagem de sinais é bastante diferente em sua organização e extensão; que os cegos têm suas áreas visuais ativadas quando submetidos a estimulação auditiva e quando realizam leitura em Braille; e até que violinistas muito treinados desde a infância possuem maior representação cortical dos dedos da mão esquerda.
Diante dessas evidências, nos cabe indagar: que tipo de neuroplasticidade estamos provocando no nosso próprio cérebro e nos cérebros alheios? Estamos alertas sobre os estímulos aos quais somos submetidos e submetemos os outros de forma repetida e cotidiana?  Temos tido responsabilidade sobre isso?
São questões relevantes, cujas respostas ainda estamos construindo. O fato de não sabermos responder deve impulsionar nossos esforços de compreensão, pois nossa sobrevivência futura depende da formulação e adaptação a um novo modo de ser e agir no mundo, ou seja, depende também de uma neuroplasticidade sustentável. Um fenômeno que, de forma invisível e quase imperceptível, vai formatando algumas dinâmicas entre cérebro, mente e consciência.
Consumo consciente deixa de ser somente uma questão de mapear impactos, reduzir custos, simplificar processos, respeitar a natureza. Inclui de fato a relação cérebro e consciência. Ninguém é sustentável sem conhecer as bases de seu processo decisório, sem saber dominar e transformar impulsos e hábitos arraigados até na nossa dinâmica biológica. Não será repetindo o mesmo cérebro de sempre que o mundo irá mudar.

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