13 de março de 2012

múltipla escolha.


Página 22 - 13.03.2012
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Afirmar qual é o tipo de material menos prejudicial pode ser uma armadilha, se não levarmos em conta cada um dos aspectos envolvidos em sua produção, no pós-consumo e até no impacto social
POR THAÍS HERRERO
ARTE: DORA DIAS
acv1Vidro, plástico, plástico biodegradável, papel, papel reciclado, alumínio. Nas prateleiras do supermercado apresentam-se os mais diversos tipos de embalagens, muitas vezes para o mesmo tipo de produto. Enquanto passeia com o carrinho e olha a lista de compras, você, consumidor, depara-se com a questão: como escolher a de menor impacto ambiental? Há poucas informações claras e diretas nos rótulos e você não tem a menor informação do que aconteceu com aquele material antes de ele chegar a suas mãos. Também não tem controle do destino final ao jogá-lo no cesto do lixo – mesmo que reciclável.
Diante desse impasse, dificilmente ficaria satisfeito se alguém, ali no meio das gôndolas, respondesse a sua pergunta com um simples: “Depende”. Mas, para desconforto e desconsolo dos adeptos do consumo consciente, essa é a melhor forma de fazer as escolhas. Nas Análises de Ciclo de Vida (ACV) dos produtos, que considera os impactos ambientais [1] de toda a cadeia de produção como um raio X do “berço ao túmulo, “depende” é a resposta mais honesta e precisa que se pode dar aos questionamentos do consumidor.
[1] Tais como uso de recursos naturais, emissões de carbono, consumo de água e degradação
É por meio de uma ACV que entendemos por que uma garrafa de vidro retornável pode ter impacto ambiental maior que uma descartável, a depender do critério usado. Segundo estudo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) e do Centro de Tecnologia de Embalagem, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Cetea-Ital), “Avaliação do ciclo de vida: princípios e aplicações”, uma garrafa de vidro que viaja 200 quilômetros para ser reutilizada, pelo menos seis vezes, tem impacto ambiental menor do que a descartável em relação a emissões de carbono e recursos naturais. No entanto, no cenário de mil quilômetros, a descartável (desde que reciclada) é mais ecológica, porque é mais leve e tem menor consumo de energia por unidade funcional do que a embalagem retornável em seu primeiro uso. É preciso também levar em conta a taxa de quebra do vidro antes mesmo do início do caminho de volta ao reúso.
NEM SEMPRE O PLÁSTICO É VILÃO
Muito comum em tempos de preocupação com as fontes não renováveis e emissões de carbono, encarar o plástico sempre como o vilão do meio ambiente é um erro, segundo Leda Coltro, pesquisadora em ACV do Cetea. Ela explica que, hoje, muitas empresas alimentícias tentam reduzir a quantidade de embalagem em seus produtos, mas existe um nível mínimo que, se ultrapassado, compromete a qualidade e a segurança do produto.
Antes de chegar ao seu prato, uma peça de picanha passa por uma cadeia longa que envolve o uso da terra para o gado pastar e sua alimentação, a energia gasta nos frigoríficos, a fabricação da embalagem e o transporte. “Se a carne estragar antes de ser consumida, toda essa cadeia de alto impacto ambiental é perdida. E, olhando tudo isso, o impacto da produção da embalagem fica entre 5% e 10%. É melhor uma embalagem mais grossa, mas com a garantia de que todo o processo anterior tenha valido a pena”, diz. (mais sobre embalagens à pág. 26)
Outros pontos importantes a ser considerados nas análises de ciclo de vida são as especificidades dos locais sobre os quais são feitos os estudos e os cenários considerados. O tipo de matriz energética, bem como os modais de transporte característicos de cada país, taxas de reciclagem e condição e existência de aterros sanitários alteram os resultados das ACV de um mesmo produto.
Se uma empresa quiser diminuir o impacto ambiental e precisa optar entre redução de consumo de água ou matérias-primas vindas do petróleo, o que deve fazer? “Deve-se considerar, o desempenho ambiental em associação com a área e as condições em termos de disponibilidade de recursos e potencial de absorção de rejeitos em que a organização atua”, responde Luiz Alexandre Kulay, pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “A relevância da água no Kuwait não é comparável com sua utilidade na Amazônia e a ACV vai dar pesos diferentes a isso em cada local”, diz.
“A principal função de uma Análise de Ciclo de Vida não é dizer qual é o melhor ou o pior produto. O papel reciclado, por exemplo, demanda muita água, mas emite menos carbono do que o de celulose virgem. Algum impacto sempre vai ter. O que o consumidor está disposto a sacrificar?”, questiona o pesquisador e professor Alcir Vilela, do Centro Universitário Senac.
O MAPA DA MINA
acv2Para Vilela, os consumidores buscam informações prontas do que é certo ou errado, mas isso acaba levando a um simplismo. O que é bom para o meio ambiente é uma questão múltipla, porque envolve ser bom para o ar, para o solo ou para a biodiversidade e raramente um produto o será para tudo. “As pessoas me perguntam o que é mais ecológico, por exemplo: a lâmina de barbear ou a elétrica. E eu me recuso a responder, porque sou contra guias com respostas prontas, sem aprofundamentos”, diz.
Mas, entre tantos relativismos e variáveis, ficará o consumidor sem saída? Não. Um modo mais honesto de informá-lo, propõe Vilela, seria disponibilizar nas embalagens uma tabela de impactos, como hoje temos a nutricional. Como ele diz, é o “mapa da mina” que mostra exatamente o que representa aquele produto para o meio ambiente.
“O consumidor pode ficar confuso no começo, mas a desvantagem do excesso de informação será convertida em uma demanda por mais explicações por parte das empresas, que deverão mostrar mais do que selos e slogans sobre ‘material reciclável’ ou ‘biodegradável‘. Será um desafio achar um modo de dar essa informação com clareza e sem maquiagens de interesses”, diz.
Nos Estados Unidos existe desde 2009 uma empresa que oferece esse tipo de tabela: a Good Guide. O consumidor baixa o aplicativo no celular, tira uma fotografia do código de barras e recebe uma lista com a pontuação do produto em relação ao impacto ambiental, social e na saúde. Os itens tratados vão desde emissões de carbono até se a empresa emprega mulheres ou pessoas de grupos minoritários em altos cargos ou sofre processos trabalhistas. Se o produto tiver na composição algum elemento cancerígeno, o consumidor fica sabendo e ainda se informa sobre que tipo de mal pode causar. Hoje, estão tabelados cerca de 150 mil produtos de todos os tipos.
ACV SOCIAL
O impacto social de um produto é uma vertente da Análise de Ciclo de Vida que começou apenas recentemente a ser considerada. Alguns projetos-piloto estão em desenvolvimento pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (Pnuma), entre eles um da Natura que mapeou a cadeia produtiva do sabonete de cacau da linha Ekos e analisa sua influência nas comunidades envolvidas.
Por enquanto, esse tipo de análise ainda está buscando as melhores metodologias de estudo. Se um produto está relacionado a dois casos de trabalho infantil, não quer dizer que é melhor do que um que está relacionado a cinco casos, por exemplo. Os valores são quantitativos e provam, mais uma vez, que a relativização é tão importante quanto a disponibilização da informação.
O que não se pode é comparar impactos ambientais gerados por conta do atendimento de necessidades ou funções diferentes, explica Kulay, da Poli-USP. “Uma analise feita já há algum tempo afirmava que fazer churrasco emite mais gás carbônico do que andar de carro. Isso traz uma distorção em termos de resultados, porque os dois eventos têm funções sociais diferentes”, diz.
É de Kulay também a constatação pragmática de que o mais importante é diminuir o impacto e saber o que se pretende com a busca do “melhor produto”. “Nunca atingiremos uma situação sem impacto de qualquer natureza dentro do conceito de sustentabilidade, que considera simultaneamente as dimensões ambiental, econômica e social. Isso é inerente a relação do ser humano com seu entorno. O que se deve fazer é adaptarmos as gestões de produção, de acordo com as ações individuais e coletivas, com a realidade que vivemos e diminuir os danos gerados. Consumir gera impacto sempre”, lembra.

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