25 de novembro de 2011

rio+20 enfrenta vento contrário da crise financeira, diz chinês.

valor
Por Daniela Chiaretti | Do Rio
Aline Massuca/Valor/Aline Massuca/Valor
Sha: "A crise, por mais séria que seja, irá passar. E, quando isso acontecer, teremos que enfrentar os mesmos desafios de hoje, só que mais ameaçadores"
O diplomata chinês Sha Zukang está no Brasil para uma missão das Nações Unidas com foco na Rio+20, a conferência sobre desenvolvimento sustentável que acontecerá no Rio de Janeiro, em junho de 2012. Sha é o secretário-geral do evento, o homem da Rio+20 na ONU. Diplomata de carreira, fala do jeito cifrado que corresponde à tribo, mas é sujeito engraçado. Na quarta-feira, no Palácio da Cidade, no Rio, ele explicava a uma plateia de mais de 200 convidados a importância do site oficial da Rio+20 ter, agora, uma versão em português. "Esta é a sexta língua mais falada no mundo", disse, em inglês sem nenhum sotaque. Na sequência, surpreendeu a audiência com uma questão: "Vocês sabem qual é a número 1?". "É o chinês", disse sorrindo e balançando a cabeça.
O "chinês mais carioca que existe", no aposto dado pelo prefeito do Rio Eduardo Paes, é também, desde 2007, o subsecretário-geral para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU. Sha coloca o dedo na ferida da Rio+20, uma conferência importante que ocorre em um momento complicado do mundo, em que não há dinheiro para nada. "Não dá para negar que a conferência enfrenta os ventos contrários da crise econômica e financeira. E que o acesso aos recursos financeiros é componente-chave na agenda do desenvolvimento sustentável", reconhece. "Teremos que recorrer a novas fontes de recursos. Afinal das contas, estamos lidando com a sustentabilidade do planeta no longo prazo." Mas insistiu na saída: "Temos que pensar em uma perspectiva maior - a crise, por mais séria que seja, irá passar. E quando isso acontecer, teremos que enfrentar os mesmos desafios do desenvolvimento sustentável, só que mais ameaçadores."
Sha é bem menos falador que o canadense Maurice Strong, o secretário geral da Rio 92, e muito mais enigmático que o holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da convenção da ONU sobre mudanças climáticas e que deixava transparecer nas suas expressões que o mundo estava muito longe de um "tratado robusto, abrangente e vinculante", nas coletivas de imprensa da conferência de Copenhague, em 2009. Aos 64 anos, o chinês tem perfil completamente diferente de seus pares célebres.
"Crise quer dizer menos dinheiro, não quer dizer dinheiro nenhum. Mais terá que ser feito com menos"
Ele criou e foi o primeiro diretor do Departamento de Controle de Armas do Ministério de Relações Exteriores chinês. Foi o negociador-chefe ou representante do governo chinês em vários acordos internacionais sobre controle de armas e desarmamento, como o tratado de não-proliferação de armas nucleares, o que trata do banimento dos testes nucleares ou a convenção de armas químicas.
Em coletiva no Rio, Sha deixou claro que domina os rumos das discussões ambientais e as correlações entre o mundo verde e os debates econômicos: "Economia verde não é uma desculpa para tarifas protecionistas ou condicionalidades comerciais".
Sha se referia ao temor de alguns governos de que o conceito de economia verde, um dos eixos centrais da Rio+20, seja pretexto para impor limites ao desenvolvimento. Há, de um lado do mundo, países ricos criando taxas de carbono (e que poderiam, no futuro, ser um entrave para a importação de produtos produzidos de forma ambientalmente mais "suja") e, do outro lado, nações muito desconfiadas disso tudo.
Em seu currículo oficial, lê-se que Sha estimulou o desenvolvimento de organizações não governamentais na China e que facilitou a entrada de entidades internacionais no país. Mas manteve a tradicional cautela chinesa na primeira entrevista exclusiva que deu no Brasil - pediu algumas perguntas com antecedência e preocupou-se em saber se que o governo brasileiro concordava com a iniciativa. Ao Valor, falou por meia hora sobre a chance que o Brasil tem de produzir uma conferência histórica e que temas como garantir o acesso à energia a 1,5 bilhão de pessoas é necessidade premente dos novos tempos. A seguir, trechos da conversa e das respostas que preparou por escrito.
Valor: O economista Jeffrey Sachs disse recentemente que a Rio+20 deveria ser honesta e admitir o fracasso global de mais de duas décadas no terreno ambiental. O que o senhor acha desta opinião?
Sha Zukang : O professor Jeffrey Sachs é um economista muito conhecido e respeito sua opinião. Não faz sentido jogar debaixo do tapete as falhas do passado com mais declarações e estratégias. Os países têm consciência disso. Uma avaliação dos descompassos e dos desafios que existem é um dos eixos-chave da conferência. Uma avaliação justa e honesta deste período no campo ambiental deveria admitir muitas deficiências e problemas, mas também ver que há alguns progressos. Claro que há imensos descompassos, mas também houve avanços.
Valor: Quais, por exemplo?
Sha: Podemos apontar sucessos importantes no campo social, com grandes avanços na erradicação da pobreza na China, na Índia e no Brasil. A China, por exemplo, fez seu plano de desenvolvimento de cinco anos com a meta de ter desenvolvimento verde. Também há progressos em saúde e educação. Nosso desafio agora é obter a total integração dos três pilares do desenvolvimento sustentável. E isto precisa ser feito de forma concreta, não no plano abstrato. Estamos otimistas. A Rio+20 poderá conduzir o mundo a uma era de estabilidade e dinamismo econômico, de inclusão social e emprego e de proteção do capital de recursos naturais da Terra.
"O futuro do planeta está em jogo e é por isso que os líderes virão. O Brasil pode fazer uma conferência histórica "
Valor: Como estão as negociações da Rio+20 neste contexto de séria crise econômica global? Como é possível seguir adiante neste debate se não há dinheiro?
Sha: Não dá para negar que a conferência enfrenta os ventos contrários da crise econômica e financeira. E que o acesso aos recursos financeiros é componente-chave na agenda do desenvolvimento sustentável. Mas, em primeiro lugar, se é verdade que a crise quer dizer menos dinheiro, não quer dizer - e não pode dizer - nenhum dinheiro. Mais terá que ser feito com menos. Teremos que recorrer a novas fontes de recursos. Afinal das contas, estamos lidando com a sustentabilidade do planeta no longo prazo. Em segundo lugar, temos que pensar em uma perspectiva maior - a crise, por mais séria que seja, irá passar. E quando isso acontecer, teremos que enfrentar os mesmos desafios do desenvolvimento sustentável, só que mais ameaçadores.
Valor: Mas e no Rio, como fica?
Sha: Governos e as outras partes envolvidas deverão estar dispostos a dedicar tempo e recursos ao nosso futuro comum, mesmo se estamos tendo que lidar com problemas econômicos e financeiros imediatos. Pode ser verdade que nem todos os recursos estarão disponíveis hoje ou amanhã, mas temos que encontrar uma estratégia para mobilizar os recursos que nos levem ao futuro que desejamos. Os meios para a implementação são importantes, mas terão que ser fundamentalmente nacionais, apoiados pela cooperação internacional. Muitas iniciativas dos próprios países, como o próprio Brasil tem mostrado, não só são cruciais do ponto de vista ambiental, como também podem gerar benefícios econômicos e sociais. Há muitas propostas onde todos ganham e que podem ser compartilhadas no Rio. É por isso que gosto da ideia de um roteiro para a economia verde, como sugeriu a União Europeia.
Valor: O que o senhor quer dizer?
Sha: Quando se fala em desenvolvimento sustentável é preciso pensar que não há uma única fórmula, uniforme, para todos os países. Cada um está em um momento diferente, tem problemas diferentes. Seria preciso criar uma espécie de caixa de propostas, onde cada país pudesse escolher entre várias experiências e aprender com elas. É por isso que eu gosto da ideia de um cronograma com datas e metas para que o mundo ande rumo à economia verde. Neste roteiro poderia se discutir, também, formas de se medir o progresso que cada um conseguiu. Ver o que funcionou, o que não funcionou e estimular trocas. Isso seria uma forma de traduzir a economia verde de um jeito bem concreto.
Valor: O mundo está usando combustíveis fósseis a taxas vertiginosas. O Rio está às voltas com um grande vazamento de petróleo causado pela Chevron. Vivemos um tempo de fortes contradições. Como o senhor acha que a Rio+20 pode construir um caminho para o desenvolvimento sustentável?
Sha: Combustíveis fósseis viabilizam nosso modelo atual de crescimento, trazendo benefícios sociais tremendos. Mas o custo ambiental disso - e vazamentos de petróleo são um exemplo muito explícito - deixam claro a necessidade que temos de criar um novo jeito de fazer negócios. A conferência do Rio oferece aos líderes e tomadores de opinião a oportunidade de abordar a pauta do desenvolvimento sustentável, e aos cidadãos a chance de fazer com que suas vozes sejam ouvidas em suas demandas mais fundamentais.
Valor: O que o senhor poderia falar sobre a grande demanda que o mundo tem hoje por energia?
Sha: A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza tem, em seu cerne, a ideia da energia sustentável para todos. A intenção de se conseguir, na Rio+20, metas para o desenvolvimento sustentável vem ganhando força entre os governos, e metas para o acesso, a eficiência e a sustentabilidade energética estão entre os pontos principais do debate. O foco da conferência e as decisões neste tema vão abordar diretamente as preocupações que você levantou. Acredito que energia renovável e políticas de biocombustíveis sensatas produzirão algumas das respostas. Mas a demanda mais premente é a de providenciar, para 1,5 bilhão de pessoas, acesso a estas fontes de energia.
Valor: Porque a Rio+20, em sua agenda oficial, definida pela ONU, irá durar apenas três dias? O que o senhor sugeriria que o governo brasileiro fizesse para garantir uma conferência forte e importante?
Sha: A conferência é o ponto culminante de um intenso processo preparatório. Tivemos inúmeros encontros oficiais e informais em várias partes do mundo. Em Nova Déli, Pequim, Mônaco, Bonn, Cairo, e ainda Nova York e Santiago. É um processo longo e há muito mais trabalho a ser feito antes da Rio+20. Recebemos 650 propostas de governos e das outras partes envolvidas e agora temos que compilar um texto que contenha essas ideias. Há ali muita fonte de inspiração. Agora, depois de um encontro em Nova York que irá definir como este documento será e qual seu formato, vamos ter o primeiro rascunho para começar as negociações que começarão em janeiro e prosseguirão até a conferência. Esta não é uma tarefa fácil. Os países desenvolvidos deveriam liderar pelo exemplo e adotar estilo de vida e tecnologias sustentáveis. Mas inovações sustentáveis estão surgindo mais e mais de economias em desenvolvimento, como o Brasil. Finalmente, a responsabilidade pelo sucesso está com os governos que virão ao Rio. Eles têm que demonstrar vontade política e agir para colocar o desenvolvimento sustentável no nosso caminho. Não há outra opção se quisermos enfrentar os múltiplos desafios que temos pela frente.
Valor: Como atrair importantes lideranças políticas para o evento, fazendo com que se comprometam com um futuro mais sustentável?
Sha: Acredito que a Rio+20 irá definir iniciativas e a agenda de implementação para os próximos 10 ou 20 anos. Não temos opção: temos que ter ações decisivas para garantir o desenvolvimento sustentável. O secretário-geral (Ban Ki-moon) se referiu à Rio+20 como um dos mais importantes encontros da história da ONU. O futuro do nosso planeta está em jogo. É por isso que os líderes virão.
Valor: Como garantir que a Rio+20 seja um sucesso?
Sha: Sucesso, no Rio, exige participação intensa e resultado forte. A Rio+20 será um sucesso com a participação de um grande número de líderes, o que expressará o compromisso político que desejamos. Ela será um sucesso se tiver como resultado um documento político relevante, com ações concretas e ambiciosas para fazer com que possamos nos mover adiante. Mas sucesso também pode significar conseguir uma participação sem precedentes de lideranças e cidadãos de todos os setores. E parece que estamos neste caminho. Na Rio+20 veremos uma nova era de compromissos e iniciativas de setores diversos, e eu gostaria de enfatizar o papel da comunidade de negócios e da mídia. Eles têm papel fundamental em influenciar decisões para um mundo sustentável. É assim que poderemos falar de sucesso no Rio. É uma tarefa difícil, mas possível.
Valor: A Rio+20 terá sido um sucesso se conseguir qual resultado?
Sha: Se puder sugerir alguma recomendação que ajude a reduzir as crises que vivemos hoje. O Brasil tem a chance de fazer uma conferência histórica.
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