9 de junho de 2012

* SUPER DEBATE * Consumo Sustentável: pensando com o brasileiro.


O Ministério do Meio Ambiente perguntou mais uma vez “O que o brasileiro pensa…”?, (veja o relatório aqui). A edição 2012 atualizou a série de pesquisas que começou no anos 1990 e se tornou referência no debate sobre consumo e meio ambiente. Vinte anos depois, ainda é o único levantamento que se volta para o Brasil. Ao longo dessas duas décadas que separam a primeira versão e a apresentada agora, outros índices começaram a circular.


A ampliação do acesso aos bens de consumo e o agravamento da crise climática explicam o interesse recente – econômico, destacadamente -, que também vem gerando estudos de institutos de pesquisa, empresas, organizações independentes, universidades. Toda análise é bem vinda para ajudar a compreender o horizonte de transformações e desafios, mas aprimorar o estudo “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável” deveria ser meta do Ministério, sejam quais forem o/a ministro/a  e  o/a presidente/a nos cargos, pela importância dos índices exclusivos da sua linha do tempo e da dimensão macro. Confesso que fiquei surpresa (e desconfiada) dos números otimistas quanto à percepção sobre a Rio+20 no início desse ano. Mas foram 2,2 mil entrevistas domiciliares, nas cinco regiões brasileiras, em áreas urbanas e rurais, certo? 


A iniciativa pioneira da pesquisa foi à campo entre dezembro de 1991 e janeiro de 1992, momento em que, bem diferente de hoje, “verde” não estava na moda. Em um artigo publicado em 2005, Samyra Crespo, responsável pelo estudo, lembra daquele contexto adverso que antecedeu e constituiu a realização do trabalho inédito:


(…) Naqueles anos de regime politico autoritário não havia pesquisa de opinião pública, até porque opinião pública era uma coisa que não se devia estimular. Naqueles tempos difíceis, os institutos de pesquisa sobreviveram fazendo pesquisas sobre marcas de sabão em pó.


Às vésperas da Rio 92 (…) fui procurar as pesquisas disponíveis, pois estava interessada em saber o que os brasileiros que iriam ser anfitriões (…) pensavam sobre ecologia.


O meu garimpo nos vários institutos de pesquisa de opinião privados e nos pouocs existentes nas universidades me levou à óbvia conclusão de que o assunto não tinha ainda despertado o interesse das ciências sociais nem dos governos democráticos, tampouco das instituições que têm em tese a missão de proteger o meio ambiente (…)


À época, a pesquisadora Samyra estava vinculada ao Iser, Instituto de Estudos de Religião, mas desde 2008 é Secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental no governo federal.


Embora as motivações políticas, com a proximidade da Rio+20, certamente tenham sido decisivas na encomenda e na repercussão dos resultados, chama a atenção a  continuidade de uma ação, no âmbito da gestão pública ambiental, que nasceu na sociedade civil. Continuidade não é o forte das políticas públicas, muito menos as ambientais. O próprio Ministério do Meio Ambiente, até se estabilizar como tal, mudou de status, de nome, alterou seu organograma diversas vezes e, entre a defesa da floresta e da biodiversidade, precisa defender sua própria pasta.


Certamente, a figura de Samyra Crespo é chave nessa passagem da pesquisa, mas não só. De modo geral, a série histórica vem demonstrando, entre outras conclusões, que há boa vontade crescente do brasileiro com a atribuição de valor mercadológico ao tema do meio ambiente. Isso se revela de modo emblemático nos índices referentes ao consumo de produtos orgânicos, produtos fabricados de maneira ecologicamente correta e à reciclagem. Em 2012, 48% afirmou reciclar, quando 52% da população ainda não recicla, em grande parte pela ausência desse sistema de tratamento de resíduos. A despeito da falta de estrutura para tal, a disposição para reciclar só aumentou, comparando com as edições de 2001 (68%), 2006 (78%) e 2012 (86%).


Evidentemente, o setor produtivo está de olho na tendência positiva, a qual vem acompanhando de bem perto:
*  parte da pesquisa contou com a colaboração de técnicos das empresas Pepsico, Walmart e Unilever;
* após a coletiva de imprensa em que apresentou o estudo, a ministra Izabella Teixeira participou do encontro “Diálogos pela sustentabilidade”, realizado em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), para conversar sobre competitividade e meio ambiente, cadeias produtivas, boas práticas no setor privado, entre outros assuntos afins.


O que atribui destaque a pesquisas como essa, portanto, também é a sua competência para ajudar a consolidar novos padrões de produção e consumo com lucro. Outros levantamentos divulgados em torno da Conferência das Nações Unidas, que acontece neste mês de junho, sinalizam para uma atenção nunca vista das grandes corporações ao tema.  No contraponto com a Rio 92, a atual centralidade da chamada economia verde seria a grande diferença entre elas. Green virou mainstream.


Para quem a cor do dinheiro é crucial (mesmo quando é dinheiro invisível, fluído, no mercado global de capitais), o eixo de diálogo sobre a sustentabilidade tem se colocado, cada vez mais, em termos de consumo. E o interlocutor desse debate  tem sido “o” consumidor.


Foi pensando nisso que eu me lembrei de Raymond Williams. O britânico Raymond Williams é/foi – nunca sei como me referir a um autor que já morreu, mas continua mais atual do que nunca - um famoso – ao menos, no meio acadêmico – crítico literário e da cultura. OK. E o que ele tem a ver com tudo isso? Williams e sua obra se tornaram clássicos, em função da linha de pesquisa que se fortaleceu em torno da sua figura, os estudos culturais. Lembrei particularmente de um texto seu que, até onde sei, foi editado apenas no ano passado por aqui: “Publicidade: um sistema mágico”.


No texto, escrito nos anos 1960, Williams comenta que a popularidade do termo “consumidor”, como um modo de descrever o membro ordinário da moderna sociedade capitalista, é muito significante. A expressão teria se espalhado de modo tão rápido que se tornou comum, quando tal uso, na sua opinião, deveria ser repugnante. Sua crítica é para a redução humana ao termo de vendas.


Na fantasia econômica, alerta ele, as escolhas são realizadas pelas corporações, mas são abordadas – sobretudo pela publicidade – como escolhas individuais, a “sua” escolha, celebrando a circulação de mercadorias enquanto “escolhas das pessoas”. Nessa atmosfera, grandes decisões são tomadas.


A realização de pesquisas integradas à gestão pública, sobretudo no que se refere ao consumo enquanto questão ambiental, pode ser uma estratégia para ajudar a reduzir um pouco esse inevitável abismo na tomada das grandes decisões, mesmo numa democracia. Daí a importância da pesquisa “O que o brasileiro pensa…”. Para que esse instrumento ajude a pensar com o brasileiro, porém, não se pode ignorar as tensões que parecem apaziguadas sob a expressão “consumo sustentável” – um conceito que aposta na difícil sintonia (inviável, para alguns) entre interesses econômicos, ambientais e sociais.

por @josipaz

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2 comentários:

  1. posso reproduzir a matéria no meu blog? evidencio sempre as fontes. Gostei muito.
    @daniambiental

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    1. claro! fiquei super feliz com o comentário e essa idéia super bem vinda, de passar adiante. um beijo grandão pra ti. obrigada.

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super carrinho. faça as idéias rodarem aqui também.
obrigada pela participação no debate.