6 de fevereiro de 2012

"aos indignados da sacolinha". por marília moschkovich [editora de Mulher Alternativa].

Aos indignados da sacolinha (do blog outras palavras)
06/ 02/ 2012
[clique neste link acima para ler o original]
[abaixo meu comentário sobre o texto]
[e mais abaixo ainda reproduzi o texto na íntegra,
marcando as partes que gostei menos]

* adorei esse texto. ele desloca bastante os termos pelos quais a indignação da sacolinha vem sendo debatida e repercutindo, mas... minha discordância é sobre essa idéia, reforçada no final com as palavras "mais" e "menos", de medir o que é  mais e o que é menos afeito ao debate sobre cidadania. sob o ponto de vista de quem essa hierarquia? segundo a cartilha de quem? 
há uma recusa de compreender a importância da materialidade do consumo na configuração da vida que tem a ver com uma conotação "moralista" da análise sociológica do consumo. a realidade da sociedade de consumidores é uma configuração histórica. 
nessa dinâmica histórica,  no momento em que mais gente passa a ter acesso aos bens, que até agora eram para pouquíssimos, lá vem a estratégia de diferenciação social pra dizer que não é mais in, nem cool e moderno consumir. o desafio de uma crise ambiental implica, sim, repensar o consumo, urgentemente. seu padrão, principalmente, e as suas características materiais (uso do plástico, durabilidade, a substituição de objetos que ainda funcionam apenas pela moda). e para isso, compreender o cotidiano na sociedade de consumidores, aqueles gestos beeem micro, é fundamental. 
parodiando a pergunta feita no artigo, será que a recusa em mudar hábitos não indica que estamos precisando atualizar nossa compreensão sobre o consumo? romper com o enquadramento econômico e behaviorista da questão, que tendem a ser predominantes? O caminho para uma sociedade sustentável passa necessariamente por uma transformação na qual as pessoas se relacionem como cidadãos e cidadãs e isso inclui superar a dimensão humano/não-humano e indivíduo-sociedade, rompendo com a idéia de que o meio natural e os produtos numa prateleira e a sacolinha plástica não são sociedade.  
compreender a vida social das coisas TAMBÉM é compreender a vida em sociedade, sobretudo numa sociedade de consumidores. ou apenas os vestígios de lança e pedra lascada contam para a antropologia do mundo? só essas "coisas" justificam uma reflexão mais elaborada, têm status para serem dignas de um debate sobre sociedade? dizer que gente é mais que o meio natural, mais que sacolinha e produtos que são produzidas por mãos humanas, sugerir essa hierarquia radical como caminho para pensar uma sociedade sustentável, é tão antropocêntrico quanto ignorar o debate. e é necessário levar em conta ainda que desenvolvimento sustentável é uma noção que só faz sentido numa sociedade de consumidores, que foi engendrado por ela. repensar o consumo para repensar rumos no planeta, OK, porém, não parece adequado desqualificar a dinâmica histórica do mundo, que se realiza fundamentalmente pelas coisas e a interação humana com elas. 
somos consumidores, ainda que não seja necessário que sejamos CONSUMISTAS e que isso justifique injustiças e denegação de direitos ou que o acesso às coisas seja o único parâmetro. O ÍNDICE DE CONSUMO NÃO É O ÚNICO PARÂMETRO. mas discutir o consumo diz muito do tempo que vivemos, inclusive no que se refere a diferentes formas de consumir ou a ausência dessa prática social. assim, quanto mais frentes se moverem para compreender essa complexidade dos nossos tempos na sociedade de consumidores, melhor pra elucidar o debate. 
o supermercado ganhou a importância no curso do tempo pq passamos a viver mais na cidade e hoje poucos produzem alimentos para a própria sobrevivência (não conheço ninguém que plante arroz e feijão para consumo próprio, mas muita gente que come ou consome esses produtos). 
há um ponto importante que o texto não aborda: não se trata de uma questão individual e brasileira apenas. no Brasil, aliás, o movimento dos consumidores foi e é um dos mais importantes para conquistas fundamentais, antes da constituição de 1988 e sobretudo depois dela. o que está em jogo são hipóteses de rumos civilizatórios: ninguém sabe, ao certo, onde isso vai dar.  
uns escolhem cozinhar em casa - podem fazer essa escolha -, com produtos orgânicos, evitam o supermercado. outros morrem de fome. discutir esses extremos revoltantes implica diretamente discutir o consumo, sua produção, sua distribuição, o valor atribuído ao consumo hoje. nesse sentido, a autonomia individual é só um pedacinho do assunto. 
a política/plano dos resíduos sólidos e a política/plano de produção e consumo sustentável do ministério do meio ambiente (sim, o mesmo do código florestal e de belo monte, pra manter a contradição da política ambiental brasileira em dia), com todos os problemas e lacunas, vão nesse sentido, bem como o plano nacional da mudança climática, esse, na minha humilde opinião, o menos ousado dos três - ainda que igualmente importante e decisivo. no caso das sacolinhas, os dois primeiros planos enfrentam o problema de um jeito bastante ousado, inédito no país. o desafio é a mão na massa daqui pra frente. leis bacanas estão aí. 

o momento pede compartilhamento de responsabilidades, ainda que diferenciadas, e isso inclui discutir sacolinhas, produtos, supermercados e dialogar respeitosamente com todos, inclusive os indignados das sacolinhas. inclui também chamar pensadores sociais, protegidos em suas torres de marfim: - desce, gente! o mundo tá precisando mais do que um debate moralista e idealizado sobre a realidade histórica da sociedade de consumidores. quanto mais atores,  mais debates, mais iniciativas, melhor pra amadurecer e tornar concreta a ação no mundo. não há um ator que vai encontrar a solução ou uma única solução: há multiplicidade de atores e soluções. sou mais pensar o consumo com o pé no chão, numa compreensão mais sensível da sua realidade histórica, menos moralista, olhando de perto, nos olhos desses tipos idealizados e substancializados que são O consumidor, O consumo, O produto, A sacolinha. pra isso, quanto mais uma reflexão ancorada no cotidiano, melhor. mesmo que isso implique dar atenção para aquilo que, para uns, parece um debate e uma lei "ridículos". 


**** destaquei em vermelho os pontos do texto que gostei menos ****


"aos indignados da sacolinha". 
por marília moschkovich 
[editora de Mulher Alternativa].
6/2/2012
do outras palavras


"A proibição paulistana (e campineira; e provavelmente em outras cidades também, que eu não saberia citar aqui) de supermercados distribuírem sacolas plásticas para que os clientes transportassem as compras tem sido, no mínimo, polêmica. Grupos raivosos pipocaram na internet de todos os lados: contra, a favor, pela volta das sacolas, pelo fim dos supermercados, e por aí vamos. Por que, afinal, uma decisão aparentemente tão simples gerou tanto ódio?

Comecemos do começo. As sacolas plásticas vinham sendo utilizada em larguíssima escala e na maioria das vezes sem a menor necessidade (para carregar um litro de leite apenas, por exemplo, muita gente chegava a usar até duas sacolas). O fato de que depois essa sacola será usada como saco de lixo não exime nem elimina o problema de seu uso. Ela será provavelmente destroçada e seus pedaços acabarão na garganta de algum animal ou humano de qualquer forma, poluindo mananciais entre outros problemas associados.
Trata-se de uma questão maior que é o destino do lixo. O “lixo” que a sacola plástica comporta não acaba na porta da sua casa, nem no caminhão, nem no aterro. É um ciclo longo e muito agressivo, já que somos tantas pessoas tão concentradas nas grandes cidades brasileiras. Na grande maioria dos casos, o lixo poderia ser descartado em caixas de papelão ou sacos de papel, talvez um pouco menos agressivos, embora o descarte ideal e menos nocivo talvez fossem latões comunitários, esvaziados direto no caminhão. Você levaria uma caixa plástica reutilizável ao latão, despejaria seu lixo lá, passaria uma aguinha na caixa e voltaria pra casa feliz e contente. O caminhão recolheria direto esse lixo e levaria o orgânico pra uma grande composteira – enquanto o reciclável seria separado em usinas e reutilizado. Não é tão utópico assim, mas é preciso um pouco de vontade política.
Cidades como Campinas (SP), por exemplo, onde moro há sete anos, têm leis que vão exatamente no sentido oposto, proibindo o lixo de ser descartado em qualquer outro recipiente que não uma sacola plástica. Já tentei descartar em caixa e os lixeiros simplesmente não levam – pois consta na legislação que eles só podem levar sacolas plásticas. O lixo é, essencialmente, uma questão política.
Você, leitor ou leitora, que pode ser mais um indignado-das-sacolinhas, sabe que tem, porém, outros motivos para achar essa lei uma idiotice. [ <--- é essa ênfase que critico]  O primeiro é que ela só proíbe um tipo de sacolinha e apenas se for gratuita – pagando pode. Isto é uma evidência clara de que não se trata em momento algum de preocupação ambiental. Como eu disse, há outras medidas de descarte e tratamento do lixo que precisariam e poderiam ser tomadas em conjunto, se essa fosse de fato a questão central para as prefeituras e governos que proibiram as sacolinhas de mercado.
As sacolas mais baratas do Pão de Açúcar, por exemplo, são produzidas no Vietnã (sustentabilíssimo importar sacolas de navio ou avião) e devem ter um custo de produção equiparável às proibidas sacolas plásticas. Ah, vale lembrar que elas também são plásticas. Mas reutilizáveis por mais tempo. Um plástico mais resistente – sinceramente questionável se é melhor pro meio ambiente, mas enfim, divago. 
Por outro lado, não me parece lá muito sensato [ <--- é essa ênfase que critico] reivindicar a volta das sacolinhas. Quem o faz, até agora, tem usado o argumento do “consumidor”. Ah, o bom e velho argumento do “consumidor”, o único que cola na sociedade brasileira contemporânea. [ <--- é essa ênfase que critico]  Parece que agora os supermercados em São Paulo serão obrigados a oferecer uma forma de transporte das mercadorias compradas. Por que o excelentíssimo consumidor não pode fazer um esforço mínimo de lembrar-se de levar o próprio meio de transporte da mercadoria, não sei. Não me parece fazer sentido algum. Não é um argumento, não há uma racionalidade por trás dessa reivindicação e decisão. Simplesmente porque sim. Porque sempre foi feito. Porque há, no Brasil, uma ética do consumidor que suprime e atropela toda e qualquer outra ética[ <--- é essa ênfase que critico] 
Quantas vezes você, de folga no domingão, não ficou decepcionado porque um atendente de alguma loja não foi “simpático” com você? Já pensou se fosse você, trabalhando lá no domingão, indo e voltando de ônibus, com um salário de m*rda? Iria querer ser simpático? Será que você foi simpático com ele? Não importa. Nada disso importa. Você está pagando e tem o direito de ser bem-tratado por isso: assim funciona a lógica dessa “ética do consumidor” aqui no Brasil. Um cidadão só é cidadão quando é consumidor. [ <--- é essa ênfase que critico] 
Esse tipo de relação entre as pessoas e destas com as coisas não é lá muito construtivo se pensarmos numa sociedade mais sustentável (já que essa é a palavra da moda). Hierarquizamos pessoas e direitos pelo seu poder de compra, reproduzindo o que fazem as empresas conosco. Temos o direito de enviar a aterros sanitários pedaços de plástico que poluem e matam a fauna, afinal, o preço deles já está incluso na nossa mercadoria. [ <--- é essa ênfase que critico] 
Aos que se lembram ainda de uma outra questão – a das embalagens, que também produzem lixo (embora, se separadas e recicladas, não causem o transtorno que o descarte de lixo em sacolas plásticas causa; e sim, eu sei que o descarte de lixo vai continuar sendo em sacolas plásticas) – pergunto quantos fazem a própria comida toda ou quase toda, evitando embalagens prontas. Você já fez seus próprios biscoitos? Seu próprio iogurte? Seu sabonete? Cream cheese? Receitas muito, muito simples, que demandam pouco tempo e pouco trabalho (além de poucos ingredientes) e que reduzem a quantidade de lixo que você produz.
As embalagens sempre serão permitidas enquanto os produtos prontos forem permitidos. E não defendo que eles sejam proibidos, não. Mas a educação doméstica, para homens e mulheres, na escola e em outros ambientes educacionais, poderia ser essencial para que pudéssemos aprender que fazer macarrão em casa é simples, fácil, rápido, barato e muito mais saudável para seu corpo e para o corpo das outras pessoas em volta, indiretamente[ <--- é essa ênfase que critico] 
Este tipo de relação exige, porém, que a ideia do “privilégio absoluto do consumidor” [ <--- é essa ênfase que critico] seja extinta ou, no mínimo, muito questionada. O caminho para uma sociedade sustentável passa necessariamente por uma transformação na qual as pessoas se relacionem mais [ <--- é essa ênfase que critico] como cidadãos e cidadãs e menos [ <--- é essa ênfase que critico] como produtos numa prateleira. Ou numa sacolinha plástica."


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