"Luis Vitão", sendo fiel a fonética praticada na rua 25 de Março, todo mundo conhece. Mas "Goiá", "Todi Buchi"? A rua mais famosa de comércio popular do país também é um termômetro do desejo da população pelas marcas de luxo. À medida que novas grifes anunciam sua chegada, seus produtos já podem ser degustados nas baias chinesas, no centro de São Paulo. E o curioso é que são apresentadas seguindo a hierarquia com que se estabeleceram no setor.
Para traduzir essas "onomatopeias do glamour" aí de cima estão lá as sacolas da francesa Goyard, grife tão exclusiva que muita gente fina não conhece. Ou as bolsas e carteiras de marcas nem tão "high end", como Tory Burch. Ambas terão lojas no shopping JK Iguatemi e já despontam no mix da pirataria local.
Há quem esteja com urticária de ver uma "Balenciaga" no ombro da manicure. E comece a questionar o futuro das marcas por aqui, até daquelas que nem desembarcaram oficialmente, em função dessa "popularização". Num país de novos ricos em que um produto de luxo é antes de tudo um símbolo de status, trata-se de um aspecto a se considerar.
Pirataria, no entanto, não é um privilégio nacional. E, mesmo com o prejuízo brutal, amplia o, digamos, "conhecimento" da marca. Há chance de um consumidor da classe C ou B que paga por uma bolsa fake um dia vir a comprar uma original em parcelas? Sim. Mas um consumidor de "luxury goods" compraria uma cópia? Só se for para dar de presente para um inimigo. Quem perde mais? O significativo é que esse conflito hoje faz sentido no país. Antes, estávamos fora do jogo do luxo. Agora somos emergentes.
Num ambiente tão popular como o da 25 de Março, ninguém espera uma taça de prosecco ou um café espresso nos quiosques, mimos típicos de lojas que querem se mostrar sofisticadas. Ainda que muitos consumidores que circulem no pedaço paguem R$ 30 pelo estacionamento de carro grande. Mas a gentileza começa a se desenhar no atendimento e até aquele olhar desconfiado dos orientais que trabalham ali está menos hostil.
"Alô, amiga", diz a chinezinha, convidando a entrar na sua lojinha genérica.
A saudação é repetida por outros vendedores que carecem de vocabulário, mas que sabem que brasileiro gosta de um toque de simpatia. A moça da loja "TB-06B", no térreo do shopping 25 de Março, até sorri. E tem variedade.
"Todo mundo Lui [demorei para entender que ela queria dizer Louis Vuitton], aqui diferente."
Lá de cima, com a ajuda de um gancho, ela pesca uma Goyard que estava pendurada. Sim, as marcas mais exclusivas e os modelos mais sofisticados ficam distantes da apalpadela do coletivo. Ela tem também exemplares Céline, Prada e até capa de iPad da Hermès. Trata-se de uma lojinha "diferenciada". Quer ver? Nossa "amiga" sabe a regra número 1 desse mercado.
"Não falo mais calo [caro]. Falo mínimo", e faz um gesto com a mão, como quem pede para abaixar o som, para demonstrar que a bolsa Hermès Constance custava R$ 400, menos do que os R$ 700 informados por outra vendedora do lugar.
As falsificações têm classificações, como se sabe. As de "segunda linha" são sintéticas, com acabamento ruim, e custam em torno de R$ 60. As de "primeira linha" têm as ferragens protegidas com um adesivo para não arranhar e entram na faixa dos R$ 100. Quando comparou, uma cliente percebeu a diferença.
"Esse zíper da de R$ 60 parece que vai engripar. E bolsa aberta no ônibus não presta não."
As cópias top são chamadas "as de couro". Podem chegar a R$ 2 mil. São as que aparentemente mais se aproximam do original, com costura, forro muito bem feitos. Nessa categoria, por exemplo, uma Birkin, modelo ícone da Hermès, sai por R$ 1,2 mil até com o saquinho para o cadeado - menos de 10% do valor da original.
"Ninguém diz que não é verdadeira", observa uma consumidora de olhar mais apurado com a peça na mão. Deu a entender que uma vez já segurou uma puro sangue.
"Bem copiada, bem copiada" responde a vendedora.
São todas piratas, certo? Mas não é só o material que vale na composição do preço. O prestígio da marca também pesa no mundo das falsificações. Nas lojas do shopping 25 de Março e galerias da rua Barão de Duprat, uma Hermès ou uma Céline custam mais que uma Louis Vuitton. Uma Michael Kors ou Marc by Marc valem menos, ou melhor, "mínimo", como diz nossa "amiga". Única exceção nacional no universo das marcas estrangeiras, a Victor Hugo consegue se posicionar onde sempre quis, ao lado da Vuitton, custando a mesma coisa.
Curioso é que com apenas uma loja no Brasil, no shopping Cidade Jardim, e bem mais discreta em sua comunicação que a concorrência, a Hermès já tenha um reconhecimento popular e uma posição hierárquica. E, assim como nas lojas oficiais, quem achar que as bolsas são inatingíveis, pode se contentar com o que a marca chama de "small leather goods", ou seja, as peças pequenas como um cinto com um H dourado (R$ 50) ou as pulseiras esmaltadas (R$ 30).
"Francês é francês", observa uma outra consumidora entendida.
A supremacia nas lojinhas é da Louis Vuitton. A oferta maior é de modelos tradicionais, sempre com os monogramas LV ou padrão Damier (aquele quadriculado). Afinal, se é para ter um produto de "luxo" que seja com um logo bem aparente para ser reconhecido. Ninguém chama as bolsas pelos nomes como Raspail, Artsy ou Nerverfull. Mas os vendedores sabem oferecer as "mais recentes" como a LV fox tail, aquela usada por Victoria Beckham e que traz pendurado um chaveiro de rabo de raposa -na 25 não há a menor dúvida que o elemento peludo é fake.
Os jovens são suscetíveis ao que pode não pertencer originalmente à categoria luxo, mas que entra no critério "aspiracional". E a 25 de Março traduz isso. Camisetas Abercrombie (R$ 15) dominam o cenário do centro da cidade como as malas dos garotos que voltam de férias de Miami ou Nova York. As sacolas de lona da marca, novo item de desejo da garotada, são vendidas ao mesmo preço de uma Louis Vuitton segunda linha, R$ 60. Relógios Michael Kors em "ouro rosê" (R$ 30) reluzem nos braços das meninas no metrô São Bento como no das mocinhas que passam feriado na Disney. E o luxo vai assim se mimetizando entre as gerações e classes sociais.
Muito bom! Adorei a maneira que você falou da 25 de março!
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