Se a Rio+20 aprovar apenas a transformação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) numa agência especializada das Nações Unidas, como querem os americanos e os africanos, será muito pouco para a conferência que tem a oportunidade histórica de “marcar uma geração”. O alerta é do embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil na conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que ocorrerá em junho no Rio. A mudança de status do Pnuma, defende o embaixador, precisa vir acompanhada de “algum tipo de mandato” maior na estrutura da ONU. O Pnuma é uma instituição quarentona. Nas últimas quatro décadas, produziu importantes relatórios e documentos sobre a questão climática, mas é um braço da ONU sem autonomia para tomar decisões. O tal mandato defendido por Lago pode ocorrer na forma de um comitê, de um conselho, de um fórum. O que importa é que seja garantido que os negociadores não aprovem exclusivamente o fortalecimento do pilar ambiental do desenvolvimento sustentável. Ele defende o consumo consciente e diz que, nisso, a crise global ajuda.
O GLOBO: O que o senhor espera da Rio+20?
ANDRÉ CORRÊA DO LAGO: A Rio+20 deve ser uma conferência que marque uma geração. É difícil prever como ela vai marcar positivamente uma geração, mas temos que assegurar que o documento que venha a ser aprovado crie certos mandatos, já que o desenvolvimento sustentável tem um paradigma para a área econômica. Esta é uma etapa que precisa avançar.
Como traduzir isso para a economia real?
LAGO: Não adianta dar mais dinheiro para que a África possa fazer um projeto ou outro. Isso é uma ideia antiga, que já está totalmente esgotada. O mundo tem que pensar como vai funcionar em 2050 com nove bilhões de pessoas na classe média. Já temos a fórmula para erradicar a pobreza, e o exemplo vem sendo dado por países como Brasil, China e Índia. Só não sabemos ainda como administrar ambiental, social e economicamente um planeta com nove bilhões de consumidores.
Mas o senhor disse que essa definição sairá da Rio+20?
LAGO: Na Rio 92, ninguém poderia imaginar que em 2012 Brasil, China e Índia teriam a relevância que têm hoje no cenário internacional. Nem os mais otimistas teriam condições de vislumbrar essa mudança estrutural no mundo. Durante muitos anos se pensou que a pobreza não seria erradicada, que sempre haveria recursos naturais para todos, que a justiça social era para uns e não para outros.
A solução seria transformar o Pnuma numa agência especializada da ONU, como querem os negociadores americanos e africanos?
LAGO: Se o fortalecimento do Pnuma não vier acompanhando de algum tipo de mandato para uma estrutura de desenvolvimento sustentável maior, seria muito pouco para uma conferência desse porte. Não podemos sair da Rio+20 com o fortalecimento apenas do pilar ambiental. É preciso ter o fortalecimento do pilar ambiental, do social e do econômico, Precisamos assegurar que o paradigma do desenvolvimento sustentável seja o paradigma da gestão econômica.
Mas olhando de fora, a impressão é que a Rio+20 está focada exclusivamente no fortalecimento do Pnuma, já que vem se falando pouco de outras áreas. Afinal, como migrar de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono? De onde virá o dinheiro?
LAGO: A sociedade está interessada em que a Rio+20 trate da questão do emprego, da justiça social, da proteção social. A sociedade civil do Brasil e de outros países quer mais dos seus governos. E os governos, para poderem se mexer, precisam saber que eles têm esse mandato por parte das suas sociedades civis. Já podemos prever que a Rio+20 vai ser uma conferência que vai simbolizar essa mudança do mundo que aconteceu nos últimos 20 anos.
Como assim?
LAGO: A voz dos países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e Indonésia, vai ser ouvida num grau completamente diferente do que ela tem sido ouvida até agora. A Rio+20 vai refletir esse novo mundo.
Mas nesse novo contexto da geopolítica mundial, com os países ricos em crise e os países emergentes bombando, a tendência não é a disputa entre ricos e pobres ficar mais evidente?
LAGO: Tudo depende de como a Rio+20 será interpretada. Ela tanto pode ser entendida como uma maior separação entre ricos e pobres, mas também pode ser interpretada como uma extraordinária oportunidade econômica para os países ricos. Espero que a Rio+20 venha a acentuar as enormes oportunidades que essa mudança geopolítica que o mundo está vivendo representa para o mundo contemporâneo.
Se a nova classe média brasileira, chinesa e indiana resolver ir às compras, a conta não fecha. O próprio secretário-geral da ONU para a Rio +20, Sha Zukang, chegou a calcular que, para atender a tal aumento de demanda, seriam necessários cinco planetas Terra.
LAGO: Não podemos achar que só a classe média dos países emergentes é que vai mudar de padrão de consumo. Porque a classe média dos países emergentes está seguindo os padrões de consumo atraentes criados pelos países ricos. É politicamente e moralmente impensável que se vá manter o padrão de consumo dos países ricos e não vá permitir que a nova classe média dos países em desenvolvimento tenham o mesmo padrão.
Mas, afinal, como fechar essa conta?
LAGO: A solução é promover uma imensa discussão sobre a mudança dos padrões de consumo da classe média no mundo. O desafio é desenvolver padrões de consumo que sejam ao mesmo tempo atraentes e compatíveis com a nova classe média emergente, do ponto de vista econômico, ambiental e social. Ainda temos tempo para esperar, mas não temos todo o tempo do mundo.
Mas o senhor acha que os países ricos estão dispostos a investir?
LAGO: Mas não necessariamente será mais caro. Todos nós, todos os dias, fazemos milhões de opções na hora de escolher um restaurante, uma roupa, um transporte. Essas decisões são tomadas de forma inconsciente das dimensões social e ambiental. É a dimensão econômica que ainda prevalece. A maior conscientização das consequências do consumo é extremamente importante, só que, muitas vezes, isso vem sendo interpretado como novas barreiras ao comércio. Isso acaba dificultando o crescimento dos países em desenvolvimento. O problema é que esse debate não tem avançado na velocidade que deveria.
O senhor espera que venha a ser aprovado algum tipo de taxação na Rio+20?
LAGO: Vai ser muito difícil obter algum resultado concreto dessa conferência. Criou-se uma enorme expectativa em torno desses encontros. Acho que a Rio+ 20 vai mostrar caminhos, vai abrir uma discussão sobre qual vai ser a estrutura de governança do desenvolvimento sustentável, qual vai ser a direção que as metas de desenvolvimento sustentável seguirá, qual será a mudança de padrões de consumo. Não vai ser uma conferência onde se vá assinar documentos.
Em meio a uma crise financeira de proporções gigantescas, é possível parar para pensar sobre isso?
LAGO: Se não houvesse uma crise mundial, aí sim as pessoas estariam acomodadas e seria bem mais difícil falar do futuro. É a crise mundial que vai legitimar o questionamento do modelo atual, porque o modelo atual revelou-se insatisfatório do ponto de vista ambiental, econômico e social. Se tivesse apenas uma crise ambiental, haveria uma tendência de pensar em tratar da questão apenas do ponto de vista ambiental.
O Brasil vem emitindo sinais trocados, mesmo sendo anfitrião da Rio+20. Estamos discutindo um código florestal que pressupõe perdão de dívida aos desmatadores. O Supremo Tribunal Federal está prestes a votar a extinção da lista suja do trabalho escravo. Temos uma política pública que não estimula a compra de produtos verdes. Para onde estamos caminhando?
LAGO: Essas questões estão sendo amplamente discutidas dentro da sociedade de maneira transparente. Se a decisão vai numa direção ou em outra, necessariamente teremos os insatisfeitos. Não podemos perder de vista que toda essa discussão está ocorrendo num contexto de um país democrático. Os sinais que o Brasil está emitindo são reflexo da sociedade que temos. Haverá, inevitavelmente, vencedores e perdedores.
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